Apesar de ser uma grande metrópole, Nova York tem também um quê de cidade pequena. Difícil acreditar, mas quem mora aqui sabe que é verdade. A vida de bairro é personalizada e a gente acaba conhecendo do sapateiro ao fruteiro da esquina. Em julho, quando a filha do farmacêutico deu à luz a trigêmeos, a rua toda comemorou!
O dia-a-dia da nova-iorquina, como qualquer dona-de-casa ao redor do mundo, é pontuado pelos cardápios semanais e listas de supermercado. O café da manhã é sempre mais fácil, composto de variáveis simples sobre um mesmo tema. Variam frutas e sabores de iogurtes, alternam os pães e cereais, mas a primeira refeição do dia é, sem dúvida, a menos trabalhosa. Em Manhattan, ovos com bacon acompanhados de batatas coradas, waffles e panquecas, muffins e scones, só mesmo nas telas do cinema ou na lanchonete da esquina. Com muita boa vontade, pode-se incrementar num brunch dominical, mas aí, o café da manhã ganha ares de festa.
Em geral, a realidade matutina é uma verdadeira corrida contra o tempo, entremeada pelo cheiro do café fresquinho e a previsão do tempo no noticiário local. Aliás, ninguém sai de casa sem prestar atenção na previsão meteorológica. Basta ser pego no temporal uma vez para aprender que nunca se deve duvidar da palavra do “weather man” (“o cara da metereologia”). Confiar no céu azul da manhã é o mesmo que acreditar nos efeitos da ilusão de ótica.
Nunca pensei que a partir disso, iria ter oportunidade de entabular uma conversa tão demorada com o peixeiro do mercado local. Até então, nossas conversas haviam girado em torno das estações do ano, dicas no preparo de um ou outro peixe
Almoço também não requer grandes energias, já que normalmente é bastante ligeiro e feito fora de casa. Assim sendo, o jantar passa a ser a razão pela qual ainda existem cozinhas completas nas residências americanas. E mais uma vez, como em qualquer outro lugar ao redor do mundo, as mulheres nova-iorquinas se dedicam a resolver o cardápio semanal da família. Esse exercício rotineiro invoca uma boa dose de diplomacia que envolve as preferências de cada membro da família, uma certa consciência nutricional e um bom-senso de ordem prática.
Desta forma, ainda inspirada pela onda dos restaurantes Pan-Asian, Asian-Fusion e Latin-Asian-Fusion, resolvi explorar um pouco mais essa tendência culinária e inovar o cardápio caseiro. Sem qualquer pretensão de fazer um banquete pan-asiático, fui até a sessão dos livros de cozinha da Barnes and Noble. Como já esperava, a seleção era vasta. Se tivesse a tarde inteira disponível, teria me instalado em uma das cadeirinhas de madeira estrategicamente colocadas contra as estantes, e ficaria horas a fio pesquisando a enorme pilha que se formaria aos meus pés.
Mas incentivada pela minha filha, que compartilha comigo a sua preferência pelo restaurante Nobu, resolvi ir direto ao assunto. Não foi difícil encontrar o que procurava. Munida com o livro “Nobu the Cookbook”, saí da livraria disposta a fazer um “Black Cod com Miso”. Nunca pensei que a partir disso, iria ter oportunidade de entabular uma conversa tão demorada com o peixeiro do mercado local. Até então, nossas conversas haviam girado em torno das estações do ano, dicas no preparo de um ou outro peixe e quando muito, um comentário entusiasmado do peixeiro sobre o futebol brasileiro, que ele adora.
Conforme a receita original, pedi no balcão filé de black cod, um tipo de bacalhau fresco muito gostoso. Porém, Tonny, o peixeiro, não tinha recebido black cod naquele dia. O livro sugere que se faça essa receita também com salmão, e como salmão agrada a todos lá em casa, não tive dúvida. Pedi, então, que substituísse meu pedido por filé de salmão. Para minha surpresa, fui apresentada a quase dez opções diferentes de filé de salmão fresco. Confesso que nunca tinha reparado na gama de opções à disposição de quem procura um filé de salmão. Talvez, todas as peixarias mereçam um gerente novo, que tendo afinidade com o peixe, deu um upgrade no setor.
Tonny, o peixeiro, começou a explicar animado as características de cada um. Tinha salmão de cativeiro e sem ser de cativeiro. Orgânico e não orgânico. Salmão do Alaska, Noruega, Califórnia, Ukon Salmon, Coho Salmon, King Salmon, Wild King Salmon, enfim… era um verdadeiro festival de salmão. Obviamente, também se encarregou de justificar os preços, que oscilavam entre razoáveis, aceitáveis e exorbitantes. Tudo dependendo do pedigree do peixe.
Tratei de ouvir com bastante atenção tudo o que o peixeiro tinha para me ensinar. Afinal, não queria correr o risco de ter que confessar na semana seguinte o fracasso do meu jantar por conta do peixe equivocado. Usei um pouco de bom senso e um pouco dos conselhos de minha avó a respeito de economia do lar.
Como todo bom livro de receita editado por um “celebrity chef”, a gente encontra dicas e sugestões excelentes. Mas apesar de bem saboroso, o meu “salmão com missô” nem de longe substitui o delicioso “black cod miso” que a gente experimenta no restaurante do Nobu. De qualquer forma, segue abaixo a receita.
Mas, para quem for visitar Nova York e não conseguir fazer reserva no restaurante, aí vai a dica: chegue um pouco antes das 22hs, quando o cozinheiro ainda não fechou a cozinha mas as mesas do “segundo turno” já estão começando a vagar. Desde que não seja sexta ou sábado, as chances de conseguir uma mesa são quase garantidas. Principalmente no Nobu 57.
Black Cod com Miso:
4 filés de bacalhau fresco ou salmão (aproximadamente 230g, cada)
3 xícaras de Saikyo Miso, à moda Nobu (receita abaixo)
Saikyo Miso:
Saquê
¾ xícara (150ml) de mirin
2 xícaras (450g) de pasta de miso branco
1 ¼ xícaras (225g) açúcar
Modo de fazer:
1. Besunte o salmão com o Saikyo Miso e deixe marinando numa tigela coberta com filme plástico por 2 ou 3 dias na geladeira.
2. Pré-aqueça o forno a 200º. Pré-aqueça, também o broil ou grelha.
3. Retire o excesso do miso e doure os filés na grelha ou broil. Em seguida, transfira para o forno até terminarem de assar.