Pílula da inteligência: o que o modafinil faz no cérebro realmente te deixa mais esperto?

Imagine uma pílula capaz de deixar você muito mais inteligente, que aumente seu QI e permita que você aprenda mais e mais rápido. Não, isso não existe ainda. O remédio que é conhecido como “a droga da inteligência” não faz nada disso, ele apenas deixa o sujeito mais desperto e pode aumentar a concentração e eventualmente até o aprendizado, mas a curto prazo.

A substância que recebeu este apelido é o modafinil, e seu uso clínico não se relaciona em nada com o tal ganho de inteligência. O remédio foi criado para o tratamento de pacientes que sofrem com narcolepsia, que é doença comumente chamada de “distúrbio do sono” – quando têm tal quadro, as pessoas são acometidas por episódios de sonolência espontâneas, e simplesmente dormem, sem mais nem menos.

“O modafinil ataca o sono, regula o ciclo de sono-vigília. É indicado exclusivamente para os casos de narcolepsia e tem uma função importante em seu tratamento”, explica o psiquiatra Mario Louzã, especializado em saúde mental. “Há um problema quando há uso inadequado da droga”, contrapõe. 

Pílula da inteligência: o que faz o modafinil?

A droga foi desenvolvida para interromper os ciclos de sono fora de hora dos pacientes de narcolepsia. A doença não tem seus mecanismos completamente compreendidos pelos cientistas, mas sabe-se que o núcleo de sua ação fica no centro cerebral, que é a região reguladora do sono. E é lá que o modafinil age.

O remédio funciona ao atuar sobre neurotransmissores relativos ao estado de alerta e sono> ele aumenta a concentração de dopamina, norepinefrina, acetilcolina e serotonina.

Quando todas essas substâncias apresentam quantidades elevadas no cérebro, há diminuição da necessidade do sono e ampliação da capacidade de concentração. É muito comum que haja interferência no estado psicológico, com episódios de excitação mental.

O que a ciência diz sobre a “droga da inteligência”?

A maior pesquisa já realizada sobre a substância foi publicada em 2015 no jornal científico European Neuropsychopharmacology. Foram analisados estudos produzidos entre 1990 e 2014 sobre os efeitos da droga, que é aprovada pela agência de saúde norte-americana assim como é pela Anvisa, aqui no Brasil.

“O modafinil aumenta diretamente os níveis de catecolaminas corticais, aumenta indiretamente os níveis de serotonina cerebral, glutamato, orexina e histamina e diminui indiretamente os níveis cerebrais de ácido gama-amino-butriático”, afirma o texto do artigo em relação a sua ação bioquímica. “Além do seu uso aprovado, tratando a sonolência excessiva, pensa-se que o modafinil é amplamente descartado para o aprimoramento cognitivo”, sentencia, em seguida.

O levantamento afirma que aproximadamente metade dos testes demonstrou algum grau de melhoria na atenção, aprendizagem e memória, e parte deles relatam até deficiências para o desenvolvimento do pensamento criativo e crítico. Contudo, nos testes com mais complexidade de informações, constatou-se aprimoramento de atenção e aprendizado consistentes, mas em relação ao uso em curto prazo.

Efeitos colaterais

Não há indícios de efeitos colaterais diretos causados pelo remédio. “Importante, não observamos preponderâncias para efeitos colaterais ou mudanças de humor”, afirma o estudo.

Por outro lado, há problemas no uso contínuo do remédio quando não recomendado por médicos. Se o modafinil ajuda a regular o sono de quem tem problemas, ele altera o sono de pessoas saudáveis que ingerem a substância por dias seguidos. No limite, a droga da inteligência não só não ajuda a aprender, como atrapalha o rendimento.

“O remédio tira horário de sono e o indivíduo deveria repor, porque o cérebro precisa de descanso e reorganiza memória e as fixa. A falta do sono prejudica concentração, gera fadiga e sonolência. Nesse sentido, não adianta estudar 24 horas porque o cérebro não terá rendimento adequado”, explica o Mario Louzã.

No mais, não é um remédio perigoso. Não há registro de grandes complicações resultantes de seu uso inadequado.

Efeito placebo

Ao tomar o remédio, é comum que haja um ganho de confiança imediato. Há dois porquês: um deles é a ação da substância nos neurotransmissores e outro é o próprio efeito placebo – o sujeito realmente acredita que já está mais inteligente.

O psiquiatra explica que como o modafinil tira o sono e a sensação de cansaço, quando a pessoa fica mais acordada ela estica seu tempo de estudo, pesquisa ou trabalho. Essa perspectiva de aumento de rendimento dá a sensação de ganho de inteligência.

“O remédio, no máximo, estica seu tempo de desempenho. Se você está em seu 100% de rendimento, ele não aumenta isso, mas permite que fique mais tempo nesse pico”, explica. “Mas até um limite determinado pelo sistema nervoso, se passar disso, começa a atrapalhar”.

A outra droga da inteligência

Também muito famosa, a ritalina é bastante usada com foco em aumento de rendimento intelectual e aprendizado. A função deste remédio é o tratamento do TDAH, ou transtorno do déficit de atenção com hiperatividade. Mas sua fama se deu, principalmente, pelo suposto reforço que dá a vestibulandos e “concurseiros”.

A ritalina também age no sistema nervoso e aumenta, principalmente, a concentração de dopamina no organismo, que é o neurotransmissor relacionado às sensações de prazer. Com a dopamina em alta, a concentração e o rendimento se mantém em pico de desempenho de forma mais prolongada e constante.

Por outro lado, é mais perigosa que o modafinil. A ritalina é uma substância cujo uso apresenta tendência de vício. Quando o nível de dopamina caí, imediatamente o indivíduo tende a buscar mais e tomar mais doses da droga – o efeito no organismo, em escala bem menor, é verdade, é semelhante ao da cocaína.

Além disso, tem efeitos colaterais diretos mais agudos. “De cara, piora o sono e tira o apetite, e ainda pode aumentar a pressão arterial em níveis preocupantes”, explica o psiquiatra.

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Droga da inteligência é doping?

Em esportes de rendimento oficiais, sim. modafinil e ritalina são duas substâncias proibidas para atletas profissionais, exceto em caso de comprovada patologia cujo tratamento dependa dessas drogas.

Comissões de ética já colocaram em debate se as “drogas da inteligência” deveriam ser controladas também concursos e vestibulares. Elas seriam colocadas em uma lista de substâncias proibidas, nos mesmos moldes que as agências internacionais fazem com atletas. Contudo, a dificuldade – ou mesmo impossibilidade – de avaliar todos os concorrentes tornam a ideia impraticável.

“No esporte, essas drogas já estão na lista. Mas em eventos de desempenho intelectual também são doping. A diferença é que não tem a regra, é uma questão moral individual”, conclui Mario Louzã.

Recomendação médica

O modafinil e a ritalina são substâncias que podem ser compradas apenas mediante prescrição e orientação médica. Na Índia, o comércio da droga é liberado, então é possível encontrar sites que comercializem o produto online, mas de maneira ilegal e sem qualquer garantia sobre a pureza e qualidade da substância. Os médicos contraindicam qualquer uso de tais drogas sem orientação especializada.

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