Dinheiro de plástico

Maringá é uma pequena vila de Visconde Mauá (RJ), perdida no coração da Serra Mantiqueira, que pode ser inteiramente percorrida a pé em pouco mais de hora. Eletricidade e telefonia apareceram por lá em meados dos anos 80, as estradas são de terra onde apenas caminhonetes 4×4 conseguem passar – pois o asfalto ainda é uma reivindicação dos habitantes. Paralelo ao bucolismo local, estão mais de 50 estabelecimentos comerciais, entre restaurantes, lojas e pousadas, a maioria ligadas às redes Redeshop, Visa/Eletron e Mastercard.

O panorama econômico de Maringá é um pequeno exemplo da dimensão que uso dos cartões tomam, progressivamente, no País. Até mesmo os velhos tickets de refeição de papel e os vales-transportes já se renderam à moda plástica de consumo. Um dos argumentos apresentados na época foi de que, com os cartões, ficava mais fácil combater a falsificação dos benefícios ou comercializá-los irregularmente em camelôs e pontos de ônibus. E, de fato, segundo informam os sindicatos de ônibus e de crédito de alimentação, a medida funcionou: um a zero para as empresas emissoras.

Consumidores e lojistas só têm a agradecer. Para os usuários, os cartões são práticos, seguros e multifuncionais; para os comerciantes varejistas, eles são a garantia de que não levarão calotes. Com tamanhas vantagens, o que antes era privilégio de poucos, passou a ser a opção mais acertada de compra de mais de 20 milhões de brasileiros.

Hábitos de consumo

A dona de casa Marília Lopes é um dos que se renderam ao conforto. Aos 72 anos, ela conta que adotou o novo hábito pelas vantagens práticas, seguras e cômodas que os cartões oferecem. Acostumada a vida toda a usar a moeda em papel, ela explica que se rendeu à transação eletrônica assim que aprendeu a usar os caixas automáticos nos bancos.

“Demorei um tempinho a aprender a usar. A gente anda tão apressado na rua e temos tanta coisa para fazer que eu nunca parava para aprender. Eu ia direto no caixa, no horário que eu sabia que estava vazio”, relata. “Depois que aprendi como usar e, com a chegada desse cartão de débito, eu só tiro dinheiro quando peço alguma coisa em casa ou quando tomo um táxi”.

Marília diz que a mudança de hábito foi uma pressão do seu marido e filhos para se modernizar. “Ela ia no banco tirar dinheiro, tinha que ir no caixa”, conta seu filho Fábio Lopes, de 46 anos. “Para comprar um pãozinho, ela tinha que ir ao banco no horário de funcionamento. Só aprendeu a usar o cartão quando descobriu o débito!”, comentou o filho, rindo ante o olhar de repreensão da mãe.

Já a professora aposentada Mariza Ferreira relata que sua experiência com cartões foi um pouco mais danosa. Cliente de duas operadoras, ela explica que acumula uma dívida com as duas há dois anos. “Quase tudo o que eu ganho é para pagar dívidas com o cartão”, comenta. “Nossa família passou por uma época difícil, ao mesmo tempo, e tivemos que nos ajudar mutuamente. Como surgiram outras prioridades no pagamento, como remédios, reformas urgentes na casa, entre outras coisas, tive que estender prazos, pedir emprestado e acabei me endividando muito mais do que posso pagar”.

Quem gostou da idéia dos cartões foi a supervisora de vendas Regina Lúcia Duque, de 38 anos. Sem embaraços, ela abre a carteira e mostra cartões de todo tipo: “Há cartão de refeição, de transporte, de débito, de crédito com milhagem, de loja de departamento, de empresa de financiamento pessoal, entre cartões de filiação de academias, restaurantes etc.”. Ela explica que usa todos os cartões regularmente, com exceção da empresa financeira. “Eu peguei esse empréstimo há alguns meses, mas, como eu continuo pagando por ele, eu não tenho sacado nenhum dinheiro a mais porque sei que vou me endividar se eu fizer isso”.

O professor Waldemar Madeira, de 50 anos, afirma que é totalmente avesso ao sistema bancário e financeiro, porém admite que se rendeu ao uso dos cartões. Após um imbróglio com os dois maiores bancos a varejo do País, por causa de talões de cheque e cartões de crédito, ele não abre mão do cartão de débito. “Esse cartão de banco vinculado ao cartão de débito é uma das melhores invenções, tanto para o consumidor quanto para as operadoras”, afirma. “Como usuário, eu prefiro andar com ele por questões de segurança, de praticidade. Para as bandeiras, ele é ótimo porque ganha um lucro gigantesco sobre as transações”.

E, de fato, o professor tem razão. Uma das maiores reclamações dos lojistas e prestadores de serviço são as taxas cobradas pelas operadoras. Algumas chegam a cobrar mais de 10% do valor da compra, de acordo com um vendedor de informática, que pediu para não ser identificado. “A gente, aqui da loja, aceita o cartão de débito, mas cobramos valores diferenciados”, explica. “Se o cliente paga com cheque ou dinheiro à vista, o valor é um pouco menor. Isso é proibido, mas a carga de impostos para o lojista é tão pesada que essa prática ajuda no nosso faturamento”.

De acordo com o funcionário, muitos clientes não se incomodam em pagar a diferença de preço, que varia entre 5% a 10%, dependendo do cartão. “Os produtos de informática são caros e, normalmente, quem paga um valor tipo R$ 200 não se incomoda de pagar, de repente R$ 220, só para não trazer em dinheiro”, revela. “Nós aceitamos cheques, mas há muitos estabelecimentos que não aceitam por causa dos calotes. Então, o cliente prefere pagar a diferença a andar com dinheiro na rua”.

Rico cartãozinho

De acordo com dados da Associação Brasileira de Empresas de Cartão de Crédito e Serviços (ABECS), o mercado brasileiro de meios eletrônicos de pagamento fechou o mês de abril com 391 milhões de cartões em circulação, número 11% maior do que no mesmo mês do ano passado. Esses cartões realizaram 387 milhões de transações de compra, que movimentaram R$ 22,1 bilhões, 21% a mais do que em abril do ano passado.

O gasto médio total dos usuários nas transações com o dinheiro de plástico foi de R$ 57 em abril deste ano, registrando uma variação positiva de 9% ante os R$ 52 do mesmo mês no ano passado. Entre as modalidades de débito, crédito e financiamento, o maior crescimento foi verificado em relação ao gasto médio com a primeira: R$ 33 a cada transação, valor 12% maior do que os R$ 29 do mesmo período no ano passado.

O grande filão, no entanto, continua sendo os cartões de crédito. Como modalidade mais consolidada do mercado, eles foram responsáveis por 62% do volume de compras, deixando o débito em segundo lugar, com 28%, e a categoria lojas e redes com 10%. Ao todo, os cartões de crédito movimentaram sozinhos R$ 13,7 bilhões em abril, número 22% superior ao que havia registrado em abril de 2006.

Para 2007, a ABECS estima que o consumidor brasileiro irá acumular 4,9 bilhões de transações com cartões de crédito, débito e financeiro que carregam bandeiras de loja e rede. Isso representará um crescimento em torno de 14% em relação a 2006. A alta será acompanhada por uma expansão de 18% no valor das compras e de 10% no número de cartões em circulação. Caso estes prognósticos se confirmem, em dezembro deste ano, o Brasil terá 416 milhões de plásticos em circulação e terá movimentado R$ 290,8 bilhões ao longo do ano.