Vida de médica

Helena é uma mulher bonita, cuidada, bem resolvida. De problemas mesmo, só a dúvida quanto à vida amorosa. Está com o coração dividido entre o marido que a traiu e quer reparar o erro, e um antigo namorado de universidade que a faz suspirar apaixonada. Mora em um espaçoso – e muito bem decorado – apartamento no Leblon, um dos bairros mais nobres e caros do Rio de Janeiro. É médica obstetra e trabalha em um hospital de classe média-alta, com direito a sala própria e longos intervalos para papear e tomar cafezinho. Reconheceu a história? Helena é a personagem de Regina Duarte, protagonista de Páginas da Vida, novela da Rede Globo. Na ficção, a profissão de médica é bem romanceada mas, quando pegamos o roteiro da vida real, as histórias são bem diferentes, com final feliz ou não.

De acordo com o Conselho Federal de Medicina, existem pouco mais de 112.000 médicas em atividade no país. Desse número, pode-se contar nos dedos as que têm destaque em nível nacional. As outras precisam trabalhar em três, quatro empregos para sustentar a casa e a família. Além disso, sofrem com as precárias condições da saúde pública no Brasil e têm de fazer malabarismos para conciliar a vida pessoal e profissional.

Correria diária

A principal reclamação da cardiologista Carmem Rodrigues, 44 anos, no entanto, é a qualidade do serviço médico prestado atualmente. Segundo ela, o grande problema está nas faculdades que não formam bons profissionais e só querem saber de lucro. “Existe uma massificação da idéia de que é preciso ter formação superior, com isso ficamos carentes de profissionais de nível técnico. O que acontece é que vários médicos se formam em faculdades de qualidade duvidosa, por conseqüência, o mercado incha, cai a oferta de trabalho e o salário diminui. Para o paciente, o problema está na qualidade do serviço prestado, que hoje é muito ruim”, lamenta.

Ao contrário da imagem que a TV passa, a vida de médica é sinônimo de muito trabalho mas pouco retorno financeiro. “Só fica rico quem herda clínica ou se junta com as pessoas mais conhecidas e ganha os pacientes. Não é uma vida fácil. O único glamour que se tem é de que trabalhamos com a saúde e isto não tem preço”, constata Carmem. Formada há 18 anos, ela se considera uma profissional de sucesso – e de sorte. Conseguiu comprar apartamento e carro e pode fazer uma viagem longa anualmente. “Entretanto, eu olho para o lado e vejo colegas com muito mais tempo de formado sem conseguir criar um patrimônio, mesmo se dedicando demais ao trabalho. É desanimador”, revela.

Mas para conseguir manter esse luxo, a médica tem que conciliar quatro empregos, isto é, uma rotina maluca. No intervalo do almoço de um hospital que dirige, vai para a outra clínica “passar visita” no termo médico, ou seja, ver como estão os pacientes. Uma vez por semana faz plantão noturno e de lá segue para outra clínica para dar expediente no centro de terapia intensiva. Difícil fazer tudo, até mesmo dar entrevista. Ela usa e abusa da internet para honrar todos os compromissos, mas admite que o estresse às vezes toma conta. “Chega a ser irônico, mas os médicos não estão conseguindo fazer o que eles recomendam aos pacientes. Eu, por exemplo, não consigo fazer atividade física”, assume.