Na semana passada, estive em mais uma “Festa do Tudo Bem”. Bebida liberada, música boa e gente bonita, sem hora pra acabar. Formidável, não fosse um detalhe: na “Festa do Tudo Bem”, só tem “Tudo bem” – nada de conversa fiada, mexerico, papo cabeça, desabafo ou lamúria. É só “Tudo bem?” aqui, “Tudo bem!” ali e olhe lá, só muda a pontuação. No décimo “Tudo bem…” da noite, me dei conta de que, pra mim, aquilo não estava nada, nada bem.
Segundo pesquisa realizada durante a festa, a reação mais provável ao “Tudo bem?” é o “arremedo”. Funciona mais ou menos assim:
– Tudo bem?
– Tudo bem? – de bate-pronto, como quem leva uma leve martelada no joelho, em ato reflexo.
Os primeiros “Tudo bens?” da noite são os piores. Isso porque ainda não houve tempo hábil para a devida adaptação ao ambiente, reconhecimento de rostos catalogados e treino de breves diálogos
Após o arremedo, há o encerramento da conversação: corta-se o contato visual, olha-se para o chão e recua-se dois passos, em uma espécie de fuga.
Além do arremedo, na “Festa do Tudo Bem”, é comum o uso da chamada “resposta curta de repetição”:
– Tudo bem?
– Tudo, tudo…
A pesquisa revela, ainda, a “resposta média com progressão”:
– Tudo bem?
– Tudo bem, tudo ótimo, maravilha! – nesse caso, balança-se a cabeça para trás e para frente, estica-se um sorriso sem mostrar os dentes, para então repetir o procedimento padrão de perda de contato visual e dois passos para trás em retirada.
Os primeiros “Tudo bens?” da noite são os piores. Isso porque ainda não houve tempo hábil para a devida adaptação ao ambiente, reconhecimento de rostos catalogados e treino de breves diálogos . À medida que o ponteiro avança, a cerveja evapora e a música aumenta os RPMs, crescem as chances de se conseguir trocar outra frase além do “Tudo bem” com pessoas com quem juro que gostaria de ganhar intimidade e estreitar laços, aumentando o meu ciclo de amigos e minha felicidade de modo geral.
– Tudo bem?
– Tudo, tudo bem. Daqu a pou vou embor porq tenh jazz aman ced e tô adoran a coreografi nov e quas conseguin encost o peit no chão e to com son danad porq meu mari viaj ont e fui com amig pra botec qu tinha doubl drink, sa como? Menin, perd a cont mas foi bom, ador beb, não enten gent qu não bebe, gent sem graça. Ah, você nã bebe?
Emendo frases sem sentido, entrecortadas pelo refrão da música alta. Enfileiro palavras sem últimas sílabas, nesse meu jeito estabanado de falar rápido para poder falar mais e ocupar menos o tempo de um possível ouvinte no resumo da minha pouco interessante última semana. Gafes são freqüentes.
O interlocutor (o sem graça, que não bebe) recorre ao famoso:
– Vamos combinar alguma coisa!
Não entendo: a gente já não está em alguma coisa? O encontro, os amigos, a cerveja, o “Tudo bem?”, isso tem que ser alguma coisa. Uma coisa coisada espontaneamente, calculada por um amigo em comum – o destino -, que projetou horas, talvez semanas, até que a gente se encontrasse ali, naquela situação, naquela coisa. E não em outra a combinar. Confusa, respondo o default:
-Tudo bem… – olho para os sapatos e ando de caranguejo, com a terrível sensação do “você não está com sorte, volte para o início do tabuleiro”.
É quando esse velho desconhecido vem em minha direção. Pega duas tulipas na bandeja, me dá a primeira e, no brinde, pergunta como estou e o que tenho feito, de uma cajadada só. Tomo um gole, respiro fundo e falo para ele, sem comer palavras, as duas páginas que formam esta crônica. A cada abertura de parágrafo, ele ri. Faz sugestões. Jura que entende, que sabe como é. Diz que também implica com gente que nunca tomou um porre na vida. E então conversamos sobre porres, sobre motivos para tomá-los, sobre comemorar e sobre esquecer. Aí falamos intimidades e até sobre combinar alguma coisa. A “Festa do Tudo Bem” foi ótima, maravilhosa e saio em retirada.