A força de Alien

Ficção científica também pode servir para contar a história da mulher na sociedade, mesmo dando muitos sustos na gente! A série de Alien, por exemplo, já contabiliza vinte anos de história. O monstro do filme foi o instrumento perfeito para chamar a atenção do grande público e, através das batalhas travadas com o monstro, podemos conferir a evolução do papel desempenhado pela mulher no mundo ocidental contemporâneo.

Nos dias de hoje, a tecnologia e a ciência exercem enorme influência nas nossas relações sócio-culturais e, por isso mesmo, esse gênero de narrativa tem sido escolhido para explorar questões relativas à própria existência da espécie humana. Em 1979, Ridley Scott escolheu Sigourney Weaver para interpretar o papel de Ellen Ripley em “Alien, O Oitavo Passageiro”. Weaver foi a primeira mulher a interpretar um papel importante na ficção científica do cinema norte-americano.

Esse filme foi lançado numa época marcada por grandes conquistas por parte das mulheres. As feministas, que haviam iniciado desde os anos 60 um movimento importante pela igualdade dos sexos no mercado de trabalho e contra o determinismo biológico (em todos os setores), começavam a ver, agora, os resultados de suas campanhas. Obviamente que o cinema, como veículo de cultura/pensamento popular, também traduziu esses acontecimentos em suas histórias. Ellen Ripley, a heroína de “Alien”, simbolizava a mulher guerreira, independente e sobrevivente!

Por outro lado, o monstro alienígena era, na verdade, um ser defendendo a preservação de sua própria espécie. Para tanto, ele precisava de um organismo vivo onde pudesse incubar seu embrião e, consequentemente, garantir sua reprodução. Este primeiro filme é uma grande luta entre a humanidade e o monstro. E é uma mulher, desvinculada de tarefas caseiras, que assume a responsabilidade de defender, em pé de igualdade com os homens, a nave Nostromo e a raça humana.

“Aliens” (1986), o segundo filme da série, foi dirigido por James Cameron. Neste filme, Ellen Rippley, juntamente com a criatura alienígena, traz à tona a questão da maternidade de uma maneira mais declarada. Ripley é mandada a um planeta distante com a missão de descobrir o que havia causado a total devastação da comunidade local. Lá chegando, ela encontra uma única sobrevivente, a menina Newt, a quem adota imediatamente. Ripley funde aspectos distintos numa mesma personagem e, além do seu lado guerreiro, revela também um lado afetivo e maternal. Nos anos 80, a mulher já tinha afirmado sua capacidade profissional e cabia agora descobrir uma maneira de conciliar a maternidade com o trabalho fora do âmbito doméstico.

Em contrapartida, o Alien deste filme também nos é apresentado como uma “grande-mãe” cuja única e exclusiva função é defender sua espécie e garantir sua reprodução. O segundo filme da série é uma briga de mães: a boa, racional, humana e a monstruosa, instintiva, predadora. Enquanto Ripley faz uma escolha acertada, dedicando-se à menina que precisava de sua proteção, a criatura alienígena tem vários filhotes e, indiscriminadamente, quer cada vez mais.

O terceiro filme, “Alien 3” (1992), foi dirigido por David Fincher numa época ameaçada pelo vírus da AIDS, onde o poder de sedução e a liberdade sexual representavam fatores de alto risco. Neste filme, Rippley se encontra numa prisão masculina de segurança máxima e sua feminilidade tem que ser reprimida para não ameaçar a harmonia (assexuada) dos presidiários. Ripley raspa a cabeça e, mais uma vez, vai provar que é uma combatente poderosa e leal.

Apesar de renegar sua sexualidade, Ellen Ripley se descobre grávida do monstro alienígena. Durante a viagem para esse planeta-prisão, um alienígena tinha conseguido se infiltrar na nave e, enquanto Ripley dormia, implantou um embrião em seu organismo. Como ela não pode suportar a idéia de dar luz a um monstro tão ameaçador, comete suicídio, levando com ela o último remanescente dos aliens. “Aliens 3” elimina o risco de uma gravidez monstruosa e indesejada e de uma sexualidade enferma.

Em “Alien, A Ressureição” (1997), dirigido por Jean-Pierre Jeunet, a narrativa questiona uma sociedade futurista pós-industrial, voltada para pesquisas em biotecnologia e levanta questões atualíssimas relacionadas à bioética. Esse é o ultimo filme da série (até agora), onde os assuntos mais inquietantes da nossa época são simbolicamente trabalhados, tendo como mediadora a Tenente Ripley. Ou melhor, o clone de Ellen Ripley.

Quando o designer suíço criou o monstro original para o “Alien” (1979), ele recorreu a desenhos e textos psicanalíticos que expressavam os piores pesadelos da humanidade. Em 1997, o pesadelo transcende as barreiras do inconsciente e somos levados a reexaminar nossas noções do que aceitamos como autêntico e daquilo que aceitamos como humano. O tema central da ficção “Alien, A Ressureição” chega muito próximo da realidade que vivemos no século XXI. Além de questionar a possibilidade do clone, o filme nos leva a pensar numa realidade onde somos cada vez mais dependentes de máquinas para sobreviver.

Neste filme, Ellen Ripley é clonada e, através do DNA do Alien, um embrião alienígena é implantado dentro de seu organismo. Durante a gestação, há uma transmutação genética entre humana e monstro e cada um deles adquire características fisiológicas do outro. No futuro do planeta Terra, proposto em “A Ressureição”, co-habitam um clone de ser humano geneticamente alterado, portanto, meio clone meio monstro; um andróide mais sensível e justo que os humanos; e um humano totalmente dependente de máquinas para sobreviver. Ou seja, é um universo onde a máquina é mais confiável e infalível que o ser humano.

Depois de provar que tem capacidade de atuar no mundo com competência (1979), de provar que pode ser uma ‘mãe-soldado’ (1986), e que tem generosidade e grandeza suficiente para renunciar à sexualidade e à maternidade em nome da saúde da humanidade (1992), a mulher deixa de ser necessária para o desempenho de funções que são primordialmente femininas, como reprodução, gestação e maternidade (1997).

Com a possibilidade de fertilização in vitro, barriga de aluguel e clonagem (já estamos praticamente lá), o papel da mulher deixou de ser o que era. As questões propostas por esse filme tem a ver com a redefinição do papel da mulher causada pelos avanços biotecnológicos e as conseqüências que a nova tecnologia pode trazer.

Através de uma análise do papel de Ellen Rippley nos filmes da série Alien, podemos entender melhor a complexidade das batalhas travadas por ela nesses filmes. Como qualquer história – de filme, livro ou mitologia – o papel dos personagens é o de oferecer ao leitor, ouvinte ou espectador uma possibilidade de identificação simbólica e uma espécie de catarse, através da qual é possível um relaxamento de tensões e ansiedades. No universo da ficção, nossas questões são resolvidas pelos personagens que, de uma forma ou de outra, sempre encontram uma solução.