Mas, talvez, não seja assim tão simples. O álcool afeta o centro de decisões executivas do cérebro, localizado nos lóbulos frontais – o que influencia o poder de julgamento das pessoas e libera inibições. Mas os especialistas são relutantes em afirmar que ele seja equivalente a um soro da verdade.
O professor de farmacologia e toxicologia da Universidade do Texas, em Austin, Carlton Erickson, tem uma opinião quase igual à do Demerval. Quase. “As pessoas, quando intoxicadas (pelo álcool), realmente fazem e dizem coisas que comumente evitariam. É como se fosse um espelho da alma”. Mas se esse espelho reflete uma imagem perfeita ou distorcida é outra questão, afirma o cientista. “Estudo álcool há 40 anos e só posso afirmar que não há evidência suficiente para afirmarmos que essa imagem é acurada”, diz o Dr. Erickson, que dirige o Centro de Pesquisa e Educação sobre Vícios, do Colégio de Farmácia da Universidade do Texas.
Vimos que o ator se desculpou. Afirmou que disse coisas que ele não acredita que sejam verdadeiras. Richard Wood é um veterano operador de polígrafos (o conhecido “detector de mentiras”, tão usado por algumas polícias, em particular a norte-americana), na cidade de Arlington. Ele acha que por décadas essas máquinas vêm conseguindo retirar verdades das pessoas que examina. Mas Wood não as examina se estiverem embriagadas. “Pessoas embriagadas tendem a falar demais. Álcool não é um soro da verdade”, repete ele.
Teste da verdade
Observamos que um estudo feito pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos concluiu que “há pouca base para esperar de um teste de polígrafo alto nível de exatidão”. Os testes de polígrafos são normalmente utilizados em investigações policiais nos Estados Unidos. Contudo, nenhum réu ou testemunha pode ser forçado a se submeter a ele. Só algumas cortes admitem evidências a partir desse exame.
Ames Sweet, diretora de comunicações do Conselho Nacional sobre Alcoolismo e Dependência de Drogas, em Nova York, concorda com Richard Wood. “Álcool solta a língua, mas não necessariamente a verdade”, afirma. “Ele estimula as pessoas de uma maneira que às vezes suplanta a verdade. Há muitas coisas que vêm juntas da verdade. E verdade não é apenas uma proposta do tipo sim ou não”, explica a diretora. Ela acrescenta que o álcool afeta a percepção dos fatos. “O álcool gera um certo elemento fantástico. Pode haver um grão de mentira nas verdades, assim como um grão de verdade nas mentiras”.
A bebida não reflete a personalidade das pessoas. Só porque você está bêbada não quer dizer que a verdade aparece
Mesmo em pequenas quantidades, o álcool pode levar as pessoas a dizer coisas que não diriam se sóbrias, afirma a Dra. Prema Manjunath, psiquiatra judiciária do Hospital John Peter Smith, em Fort Worth. “Outra coisa que ele provoca é destacar qualidades preexistentes: se a pessoas estava zangada antes pode ficar mais zangada depois de beber”.
Talvez por isso, a médica Stevie Hansen diz não é incomum uma pessoa que bebe demais entrar em brigas por motivos absolutamente tolos, que não a incomodavam. A médica é chefe dos serviços a drogados num hospital para doentes mentais, no município de Tarrant. “A bebida não reflete a personalidade das pessoas. Só porque você está bêbada não quer dizer que a verdade aparece”.
Já o professor de psiquiatria do Centro Médico de Dallas (da mesma Universidade do Texas), Dr. Bryon Adinoff, indica que beber demais pode ser comparado a um estado de sonho. “Quando dormimos nossas defesas caem, o mesmo acontecendo quando estamos embriagados. Certamente sonhamos com fazer coisas que jamais faríamos e não queremos fazer e podemos nunca realizar”.