A revolução de Maria Antonieta

É impossível falar de Maria Antonieta, rainha da França, e não mencionar a frase supostamente dita por ela: “se o povo não tem pão, que coma brioches”. Na verdade, um insulto, levando-se em conta que a maioria dos franceses passava fome, entre outras necessidades. Por causa deste e tantos outros devaneios, Maria Antonieta terminou seus dias na guilhotina, em meio a uma das maiores manifestações populares da nossa história: a Revolução Francesa.

Apesar de seu aparente egoísmo, arrogância e futilidade, Maria Antonieta se mostrou uma mulher corajosa em momentos importantes, porém sempre prejudicada pelos interesses políticos de sua mãe, a imperatriz da Áustria. Suas atitudes, aos olhos da corte e do povo francês, pareciam nada menos do que traição. Por conta de sua alienação e desejo de ser feliz, ela não percebia as armações e distorções que eram feitas a sua volta.

Maria Antonieta ofuscou o futuro rei ao entrar na Catedral Gótica de Reims vestindo um traje extremamente suntuoso, adornado inclusive por safiras

De qualquer forma, a jovem rainha francesa imprimiu seu estilo numa sociedade hermeticamente formal. As frustrações no casamento e na relação com sua família eram compensadas com bailes, peças de teatro, banquetes, jóias e infinitas encomendas a estilistas parisienses. Da mesma forma que a princesa Diana há alguns anos, Maria Antonieta encontrou em seu jeito de ser único, e às vezes questionável, um forte aliado contra seus inimigos.

Em junho de 1775, Maria Antonieta deixou os nobres boquiabertos ao quebrar o protocolo na coroação de seu marido, Luis XVI. Diferentemente de todos os presentes na cerimônia, que se apresentaram de acordo com a rígida etiqueta real, Maria Antonieta ofuscou o futuro rei ao entrar na Catedral Gótica de Reims vestindo um traje extremamente suntuoso, adornado inclusive por safiras, e com um penteado (conhecido como “pouf”) exageradamente volumoso. Há quem diga que, por causa dele, alguns convidados não conseguiram ver o rei no altar…

Fonte de inspiração constante para as criações de alta-costura do mundo inteiro, o barroco reapareceu nas passarelas de outono-inverno do ano passado. O luxo e o romantismo marcantes nessa estética provocaram uma viagem no tempo e transformaram simples mulheres em verdadeiras princesas. Mesmo adaptado aos tempos modernos e tendo que atender às necessidades de conforto e praticidade da consumidora atual, a força dos volumes em contraste à fragilidade das rendas, ressuscitou o encanto dos grandes salões.

Mas não foi só a moda que bebeu na fonte do século XVIII. O novo e polêmico filme de Sofia Coppola – “Maria Antonieta” (“Marie-Antoinette”, 2006) – retrata justamente esse período. No intuito de dar uma visão mais humana à protagonista, Sofia apresenta a última rainha da França como uma personagem vítima de mal-entendidos, cujo maior problema era a falta de interesse de seu marido em consumar o matrimônio.

O filme incomodou a alguns, encantou a outros. Mas para quem aprecia belas paisagens – o Palácio de Versalhes é simplesmente deslumbrante – e moda de qualidade, o longa-metragem é diversão na certa. A diretora instigou a criatividade de sua equipe ao idealizar vestimentas ao mesmo tempo históricas e contemporâneas. Convocados para assinar as peças do figurino orquestrado pela italiana Milena Canonero (ganhadora de um Oscar este ano), Karl Lagerfeld, da Maison Chanel, e John Galiano, da Christian Dior, arrasaram ao reinterpretar a exuberância das formas e a explosão de cores daquele século. É um verdadeiro show visual. Com uma trilha sonora também impactante.

Maria Antonieta, considerada por muitos a primeira “fashion victim” da história, deu início a uma nova era na moda. Auxiliada pelos brilhantes e ultra-criativos Rose Bertin – a “modista” – e Léonard – o “peruqueiro” – a adolescente transformou-se em uma mulher poderosa, porém odiada. No entanto, aquela que era chamada pela plebe de “Madame Deficit” encarou a morte com bravura e dignidade.

Mesmo com as mãos amarradas, após meses de sofrimento em uma prisão solitária, a última rainha da França caminhou elegantemente, sem hesitar, em direção ao cadafalso.