Imagine que alguém tenha lhe feito muito, muito mal no passado. Imagine que você tenha perdido incontáveis noites de sono e atravessado dias de sol com a alma sombria, atormentada pelos efeitos do que ela te fez. Agora imagine que, por uma dessas voltas que o mundo dá, anos depois, você e essa pessoa se cruzam mais uma vez, em posições diferentes. Imagine que bastaria um telefonema seu para acabar com um grande projeto profissional dessa pessoa e que ela sequer saberia quem foi seu algoz, a não ser que você quisesse. Pois essa situação aconteceu comigo. A mais retumbante das vinganças estava a apenas um telefonema de distância.
Ligo ou não ligo? Freei minha natural impulsividade e me pus a pensar. Eu acredito na lei de ação e reação. Acredito que o que você faz para os outros volta para você, inexoravelmente. A conseqüência está subordinada à intenção: há quem cometa o maior dos estragos sem ter desejado agir daquela forma e há aqueles que, com meia dúzia de palavras irônicas, agem com o intuito de magoar, de cortar fundo, de humilhar.
O impacto devastador das palavras é algo que precisa ser constantemente analisado por aqueles que dela fazem uso, ou seja, todos nós
Intenção é algo que, nos seus níveis mais profundos, está fora do alcance da justiça humana, portanto somente a lei divina (ou natural) de causa e efeito promove esse retorno. A pessoa que me feriu (com intenção assumida por ela própria) vai sofrer o tanto que eu sofri: essa é a lei. Porém, eu devo ser a agente desse sofrimento? Não.
Se eu agisse nesse sentido, a responsabilidade seria minha e, no futuro, talvez nem tão distante, eu sofreria o retorno do meu ato. Por mais tentadora que a oportunidade fosse, eu optei, racionalmente, por frear meu desejo de vingança.
Anos atrás, Jô, uma mulher com mais de quatrocentos quilos, foi retirada de sua casa pelos bombeiros a fim de ser internada num spa. Uma equipe de TV acompanhou sua remoção. Ao ser questionada sobre o que mais queria, Jô, cheia de esperança, respondeu: “Ficar com 60 quilos”. Nisso um elemento cantou ao fundo em tom de ironia: “Sonho meu, sonho meu…”. Fiquei torcendo para que Jô, um dia, com 60 quilos, pudesse fazer da sua vitória a (única) vingança contra aquela criatura sórdida que a espezinhou. Porém, algum tempo depois, Jô faleceria sem realizar seu sonho. Será que não foi a ironia daquele homem – que deve ter se achado muito espirituoso, muito inteligente, muito superior – que começou a matar Jô?
O impacto devastador das palavras é algo que precisa ser constantemente analisado por aqueles que dela fazem uso, ou seja, todos nós. Um “sinto muito” sibilado sem muita precisão às vezes seria suficiente para cortar o mal pela raiz. Afinal, quem é perfeito nesse mundo para jamais dizer “me desculpe, eu errei”? Claro: há muitos que não assumem, mesmo sabendo que erraram; há outros que insistem em ridicularizar quem confessa um erro ou outros, ainda, que torcem palavras, que fingem que não entenderam, que desvirtuam o que você falou na tentativa de te ferir.
O que fazer se ainda não conseguimos perdoar? Nada. A lei de causa e efeito, como o deus Osíris no Egito antigo, pesa o coração das pessoas e, conforme o resultado, decreta a medida do retorno. Como dizia um antigo ditado: “Senta na curva do rio e espera o cadáver do seu inimigo passar boiando”. Pode crer: ele vai passar.