BM: Internet é bom para quem tem baixa auto-estima? É remédio para timidez?
RP: Remédio não, existe inclusive nos Estados Unidos, a utilização da Internet para pessoas tímidas, onde o uso do chat facilita a interação, agora eu não colocaria como remédio não, mas se isso pode ajudar, e pode, se a pessoa tímida se sente mais à vontade para se expressar ali, eu acho que isso pode ser saudável desde que num momento seguinte ela vá além da tela.
BM: Você acha que a pessoa se soltando na Internet pode estar treinando para a vida real?
RP: Olha, você só não pode generalizar, mas há casos, como o de um adolescente de 17 anos que nunca tinha tido a primeira namorada, começou a paquerar uma garotinha pela Internet, se conheceram aqui fora, e estariam namorando na época que eu soube da história. Mas nem toda a pessoa tímida que entrar na Internet vai curar sua auto-estima, até porque o que vai curá-la é o que está dentro dela. A Internet pode favorecê-la, assim como uma terapia também pode favorecer, ou uma necessidade qualquer no meio social dela.
BM: E a Internet pode agravar a timidez?
RP: Assim como pode ajudar, pode alienar também. Porque é possível a pessoa ter gostado dali, mas continuar tendo insegurança aqui fora, porque na verdade, não é o meio que vai estar favorecendo ou alienando a pessoa. Eu não sou fetichista de Internet, eu acho que internet não aliena ninguém, não cura ninguém, não separa casais, nem junta pessoas. A internet é um meio, uma mídia, e o uso cada um vai fazer. Então, a pessoa que tem uma baixa auto-estima, mas que tem pré-disposição e interesse em se livrar disso, que trabalhe e faça escolhas nesse sentido, ela pode se beneficiar da Internet sim. Agora, a pessoa de baixa auto-estima que só quer ficar alienada, nada melhor do que entrar na rede. A internet é meio plural, uma coisa polivalente, o que você buscar vai encontrar lá dentro.
BM: Existe algum padrão de comportamento na web?
RP: O curioso é o seguinte: eu tenho observado que se a pessoa aqui fora tem uma vida afetiva intensa, e essa vida afetiva é produtiva, ela tem tudo para ser produtiva na Internet também. Por outro lado se aqui fora, por exemplo, ela já teve duzentos namorados, e nunca deu certo, a Internet não vai oferecer garantias que vai dar certo. Ela vai transferir para a Internet aquilo que ela faz aqui fora.
BM: Quando um namoro virtual, que passa para a vida real, dá errado, muita gente culpa a Internet. É mais fácil jogar a culpa na tecnologia do que assumir o fracasso amoroso?
RP: Não só na tecnologia, né, mas em terceiros. Por exemplo, ah, o casamento não deu certo, porque o cara foi muito mimado pela mãe e não tinha afetividade no casamento, que fracassou, aí culpa a mãe. Outro: o indivíduo ficou desempregado, ficou estressado e começou a falhar sexualmente, ah, o problema é que ele ficou sem emprego. Eu não concordo com nada disso, o indivíduo é responsável por tudo de bom e de ruim que acontece com ele. Se a relação na Internet não deu certo, a culpa é da pessoa, mesmo nessas histórias que saem na imprensa, onde a menininha conhece o cara que é um malandro, e acaba se dando mal, quer dizer, se deu errado, é porque a pessoa marcou bobeira, poderia dar errado com uma pessoa que ela conheceu na vizinhança.
BM: Ser ou não ser, eis a questão que, na Internet, não faz a menor diferença, faz?
RP: Você entra num desses sites de amizade, você vê que a mesma pessoa coloca lá quatro ou cinco perfis diferentes. Então, só por colocar esse monte de perfis, essa pessoa não está querendo ter uma relação consistente. Eu acho super saudável, você tem que ser uma lá com o seu trabalho, outra com as suas relações, outra em casa, você tem mesmo essa multiplicidade, a minha dissertação fala sobre isso, nós temos identidades múltiplas hoje, isso não é personalidade múltipla. É diferente. Porque na personalidade múltipla, há um distúrbio: você tem um eixo, mas a personalidade é fragmentada, você não é o todo em cada uma. Na identidade múltipla é diferente, você edita uma identidade de acordo com o contexto. Isto é saúde. É você estar aqui, por exemplo, e se comportar de uma forma, outra lá no seu trabalho, na sua casa. Pensa bem: você fala da mesma forma com todas as pessoas? Não. Então você tem várias identidades, e isso é saudável. A pessoa que não tem saúde, ela é a mesma em todos os lugares, está cristalizada. Na Internet, você está ali, começou a rolar um clima de sedução, você está aberta para aquilo: você edita uma identidade que vai ceder ou que vai seduzir. Aí o papo está sério, está profissional, interessante, tem várias coisas que lhe interessam, você edita uma outra identidade. Isso é super saudável.
BM: Você já foi procurado como terapeuta por alguma pessoa que tenha tido uma desilusão amorosa virtual?
RP: Já, já, e aí a gente trabalha da mesma forma que a gente trabalha com uma pessoa que está desiludida com um namoro aqui no real, um casamento e tudo mais.
BM: Trabalha a desilusão?
RP: Não, a desilusão não interessa, e sim a pessoa que chegou aqui, seu sentimento, suas escolhas. Porque a pessoa, na minha maneira de trabalhar, vai ser o tempo todo colocada diante da própria responsabilidade na relação. Se ela se deu mal, o que foi que ela fez? De que forma ela agiu? O quanto ela entregou? Ela estava realmente aberta para esse sentimento, para essa relação? Bem, se ela se deu e quebrou a cara, o problema é da relação? O problema é dela? É colocar a pessoa diante das escolhas que ela faz para que ela seja responsável pela própria vida. Ninguém nem nada pode ser responsável por ninguém, cada um é responsável por si, suas escolhas, seus desejos, seus erros e acertos. Então quando a pessoa vem desiludida, o que a gente trabalha? As escolhas que foram feitas, os sentimentos que foram entregues.