Cleptomania

Por mais que o ato não tenha sido de violência física, a sensação de ser roubada é algo de profunda truculência emocional. E, incrivelmente, é raro, nos dias de hoje, encontrar alguém que ainda não tenha passado por essa angústia. Mas, independentemente dos problemas das grandes cidades, o roubo pode estar muito distante da marginalidade. É o caso da cleptomania, um distúrbio que nada tem a ver com as desigualdades sociais que entram em erupção nas esquinas, nos sinais de trânsito e nos ônibus, debaixo dos olhos de qualquer pessoa. A carência de quem vive esse constrangedor problema está quase sempre bem distante da financeira.

A gerente de marketing Karla Maranhão, 29 anos, viveu esse transtorno durante sua adolescência e até parte de sua vida adulta. O problema começou em casa, com batons que sumiam do armário da irmã, bijuterias da gaveta da mãe e, principalmente, pequenos objetos das bolsas das visitas. “Na maioria das vezes eram coisas sem muito valor financeiro. Eram longos períodos, dois, três anos, sem ter crises. De repente, entrava numa fase de depressão e começava. Depois foi passando para a escola, para a casa dos amigos, essas coisas. Às vezes, abria a dispensa da casa de alguém e pegava, sei lá, uma caixa de leite, um pacote de biscoito”, conta ela, lembrando que, muitas vezes, sequer encontrava utilidade para o objeto roubado. “Não era, pelo menos comigo, uma coisa premeditada, do tipo: ‘estou indo pra casa de fulano, quando chegar lá vou pegar alguma coisa’. Não, é algo que sobe à cabeça e se realiza em questão de cinco minutos. Às vezes, quando percebia a decepção da pessoa, meio que devolvia os objetos, largava em outros cantos da casa, de modo que ela pensasse que só tinha perdido. Sempre tinha uma culpa horrorosa depois”, diz ela.

No entanto, essa culpa não impediu seus impulsos. Foram mais cinco anos convivendo com o problema, sem sequer conhecê-lo. Até que, um dia, Karla foi pega. “Foi na casa do meu namorado, hoje meu marido. Ele já desconfiava e, um dia, deu falta de uma fita de vídeo. Pode parecer incrível, mas foi aí que eu realmente tomei consciência do problema. Nós conversamos muito e eu comecei a fazer tratamento psicológico”, lembra a gerente. Ela conta que, no começo, as dificuldades foram muitas, principalmente porque sua auto-estima havia rolado ladeira abaixo. “Me sentia uma ladra, uma mau-caráter. Tomei remédio e precisei contar muito com minha força de vontade para desenvolver meu auto-controle. Já se passaram quase dez anos e, felizmente, eu já não sinto mais aqueles rompantes”, garante ela.

A psicóloga Maria Isabel Guimarães explica que o maior problema do cleptomaníaco é mesmo resistir aos impulsos. O ato do furto, geralmente, ocorre de forma rápida, precedido de um crescente estado de tensão e de uma sensação de satisfação, durante e logo após o roubo. “Depois, pode sim haver culpa mas o cleptomaníaco nunca assume o que fez, a menos que seja pego. Quase sempre ele se esforça para evitar esse tipo de comportamento, mas não consegue resistir. O controle voluntário sobre isso fica muito comprometido”, afirma Maria Isabel. Segundo ela, esses atos não são ditados nem pela razão do doente, nem por sua emoção. “Ele não tem intenção. A consciência dele desaprova o roubo tanto que, quando toma consciência de que está doente, pode mesmo ter fortes crises de depressão e culpa, por se sentir um gatuno”, acrescenta ela.

Mas, então, como diferenciar um cleptomaníaco de um ladrão legítimo? De acordo com Maria Isabel, são muitos os casos jurídicos em que a doença é usada como atenuante de quem comete roubos de maneira criminosa. No entanto, os dois tipos de comportamento são facilmente diferenciáveis. “O que existe muitas vezes é a pseudocleptomania. O verdadeiro doente tem problemas afetivos e emocionais evidentes, como tendência para depressão, ansiedade e distúrbios de humor”, afirma ela. Não existem estudos e nem tratamentos específicos para a cleptomania. Acredita-se que ela começa a se desenvolver na infância, como forma de compensação afetiva. “São poucos os que procuram tratamento até que sejam pegos em flagrante. O que se trabalha na psicoterapia é um desenvolvimento da capacidade de autocontrole. O uso de medicamentos também pode ser útil para a manutenção da linearidade do humor mas a eficácia não é totalmente garantida. O tratamento depende muito da vontade própria do paciente”, esclarece Maria Isabel. No entanto, o constrangimento social causado pela doença pode ser diminuído. “Acusar o doente só piora a situação. O problema deve ser conversado e a sinceridade e a compreensão colocados acima de tudo”, recomenda a psicóloga.