Complexo de corno

Dizem que chifre não existe, é uma coisa que colocam na nossa cabeça. Mas brincadeiras à parte, a traição é algo que mexe com o imaginário, o brio e a cabeça – essa, literalmente – de muita gente. Também não é para menos: ser traída, dentre tantos outros fatores, significa ser a última a saber do novo par romântico da praça, ter a ligeira e nada agradável impressão de que mudaram de assunto na sua presença e, o pior, claro, a perda da pessoa amada. Talvez, seja por isso que alguns se agarram com todas as forças à máxima de que seguro morreu de velho e executam, sem dó nem piedade de si e do outro, um esdrúxulo exercício de se imaginar corno em tempo integral. Assim – quem sabe? – a bola nas costas não bate de surpresa. Será?

Estar sempre desconfiado de tudo, seco para pegar uma mentira, dar um flagrante na rua ou descobrir alguma pista no fundo da bolsa que leve a algum motel são sintomas de quem sofre do perturbador complexo de corno. No início, o portador até disfarça bem. Ou melhor, você é que não percebe bem, cai na esparrela de que ele te ama e, conseqüentemente, é louco de ciúmes de você. Coitada! Isso é só o começo de seu calvário…

Ciúme, controle e posse. Todo mundo que engata um relacionamento acaba se deparando em algum momento com essas situações. Com o tempo, elas evoluem para melhor ou para pior, dependendo de como foram tratadas. “Meu ex-noivo sempre foi possessivo e ciumento. Eu achava engraçadinho aquele jeito e acabei dando corda para ele. Mas quando percebi, estava refém de um tirano, psicopata, que via sacanagem até no ar que eu respirava”, conta a vendedora Alice Galvão, lembrando que, viver com um pulgueiro atrás de ambas as orelhas era uma constante para seu então noivo. “Ele desconfiava de tudo: se eu tinha que ficar até mais tarde na loja, se tinha médico, se alguém me ligava para dar recado de trabalho. Tudo ele achava que era armação. Fora que eu não podia cumprimentar ninguém, porque depois era inquerida: ‘quem é essa piranha? já saiu muito com ela?’, ‘esse cara? já deu pra ele?’. Um verdadeiro inferno, que terminou no dia em que ele me agrediu fisicamente em público. Aí tive que dar um basta, meu pai disse que se fosse para continuar com ele que eu saísse de casa. Foi o que eu precisa ouvir para cair na real e acabar com aquela relação doentia”, diz Alice. 

E a justificativa preferida para tais arroubos ciumentos – e que, convenhamos, soa como música para os ouvidos do interpelado – é a velha historinha de que quem ama cuida do que é seu. Só que, infelizmente, muitas vezes esse zelo todo não é pelo bem-estar da criatura amada. Mas pelo bem do moral do próprio, que ele julga sofrer um abalo sério caso se espalhe por aí a notícia de que andam pulando a cerca em seu quintal.  “Meu namorado desconfia até das manchas roxas que aparecem em mim. Não é raro, quando a gente vai transar, ele ficar perguntando até das cicatrizes antigas. O pior é quando digo que foi ele quem fez e ele cisma que não. O medo de ser corno é uma coisa impressionante, falo para o Rodrigo que se eu fosse fazer isso, não iria ostentar marcas para ser pega”, diz a decoradora Eliane Barroso do Amaral, comentando ainda que, quando seu namorado começa a dar uma de inspetor policial com as famosas perguntas “O que? Quem? Quando? Onde?”, ela corta no ato. “Se você ficar dando muita satisfação, parece que tá devendo mesmo. O negócio é dar logo um fora pra ele ficar sem graça e parar de babaquice. Digo que não tenho nada a ver com os traumas dele, que vá se tratar”, conta Eliane.

Segundo o psicólogo Jadir Lessa, dar idéia e explicações realmente não é a melhor forma de agir com essas pessoas. “Tem que cortar no início. Dar asas às desconfianças com explicações, faz com que você entre no jogo. Isso é um pulo para as incessantes brigas, já que ele sempre vai inventar outros motivos para duvidar da sua palavra. O certo é se recusar a alimentar esse complexo, que acaba com o relacionamento e com a pessoa”, afirma ele.

A médica Teresa Marques Firmino reclama que o marido chega a colocar questões como caráter e bom-senso para escanteio quando desanda a falar absurdos. “Ele perde a linha. Não enxerga as coisas com um sentido lógico, coloca como se eu fosse uma cadela que roça em poste e ele, digno de ser trocado por outra porcaria a qualquer momento. Acho que é insegurança, só pode”, diz ela. Outra característica bastante comum nesses seres é a de estar sempre alerta, denunciando, contraditoriamente, que alguém interessante está se aproximando. “O Caio vigia meus olhos, é horrível! Tenho até medo de olhar para o lado e encontrar um cara bonito quando estamos em algum lugar. Se olho numa direção e tem homem, desvio correndo o olhar porque sei que ele vai falar. Já cansamos de brigar por isso”, comenta a professora de inglês Tatiana Rodrigues.

Mas o tal complexo não acomete apenas o sexo masculino. Certas mulheres padecem da desconfiança bem acima da ideal. “Eu tinha complexo de estar mais gordinha, então, desconfiava do meu marido com todas as mulheres magras. Passava pela minha cabeça que ele poderia ter mais tesão nelas do que em mim. Observava se ele reparava, perguntava o que achava da fulana e da beltrana. Uma amiga minha dizia: ‘Clara, ela é horrível, não viaja!’ e eu sempre respondia: ‘mas é magra’. Imaginava ele transando com outras, era horrível. Estou fazendo terapia e me livrei um pouco disso. Ainda sou insegura, mas não tenho mais ciúmes da sombra só porque ela não tem volume”, brinca a gerente de marketing Fabiana Carneiro.

Jadir Lessa explica que existem duas possíveis causas para essa mania de traição: a primeira seria a insegurança e a segunda, projetar no outro o que ela faria se tivesse a mesma oportunidade. “Vivenciar relacionamentos extraconjugais dos pais pode afetar o emocional da pessoa. Ou seja, ela pode achar que aquilo também vai acontecer na vida dela, mesmo que o parceiro não dê motivos para desconfiar. E a outra causa seria a pessoa que arma muito. Então em qualquer brecha que represente uma oportunidade, ela vai construir uma historinha com base naquilo que ela faria”, diz o psicólogo. Para quem tem a insegurança como responsável por tais cenas, Jadir indica a terapia como forma de mudar seu modelo de relacionamento. “Não é porque aconteceu com outra pessoa que vai acontecer com ela, é feito um trabalho na terapia para substituir essa imagem negativa do relacionamento”, diz ele. Agora, para quem sofre do segundo motivo, só mesmo uma bolada na lombar para dar jeito.