Fome sexual

Ninfomania, hipererosia, furor uterino, compulsão sexual e obsessão sexual. Estes são apenas alguns nomes dados para algo que é estudado há muitos e muitos anos: o excesso de desejo sexual de algumas mulheres. Os tratamentos para este problema já foram os mais diversos e inacreditáveis possíveis. Desde tempos imemoriais, o desejo sexual feminino é reprimido e já foi tratado como doença física, psíquica, safadice e até já virou motivo de chacota. O comportamento sexual da mulher já é questionado desde que o mundo é mundo. Para se ter uma idéia, Adão teve uma mulher antes de Eva, Lilith, que foi expulsa do paraíso porque questionava a rotina sexual e a submissão. Segundo a versão em hebraico da Bíblia, ela perguntava: “Por que tenho que me deitar sob ti?”. Pelo visto estava cansada do tradicional “papai e mamãe”. O resultado? Lilith foi parar no inferno onde gerava mais de cem demônios por dia. Como se vê, o apetite sexual da mulher é sempre condenado enquanto o dos homens é elogiado.

O maior problema é que não é muito fácil dizer o que caracteriza uma ninfomaníaca. Para o psicólogo e mestre em Sexologia Clínica, Arnaldo Risman, ninfomaníaca, a princípio, é a mulher que não consegue se satisfazer sexualmente. Ele exemplifica. “Na masturbação, nada contra, muito pelo contrário, o problema é quando a pessoa não se sente satisfeita e quer mais e mais”, conclui. As próprias mulheres não sabem bem o que é uma ninfomaníaca. “Ué, não é uma mulher tarada?”, pergunta a professora Luciana Pinheiro. Para a arquiteta Marina de Castro, ninfomaníaca “é uma mulher insaciável, que transa várias vezes na mesma noite”. Já a secretária Janaína Moura dá a sua definição: “é uma mulher que não escolhe os seus parceiros e vai pra cama com qualquer um”. Todas as definições estão erradas. “O que caracteriza a ninfomania é uma eterna insatisfação sexual. Aí é que os homens se enganam. Muitas vezes eles encontram uma mulher que quer sexo várias vezes na mesma noite e a classificam como ninfomaníacas. Será que, só porque esta mulher tem um apetite sexual maior que o do homem ela é, necessariamente, uma ninfomaníaca?”, questiona Risman. O músico Antonio Nunes, 30 anos, acredita que sim. “Eu namorei uma ninfomaníaca na França. Nós fazíamos sexo em qualquer lugar, não importava onde fosse. Na rua, festinha de amigos, tanto fazia, ela queria sempre mais. Eu sabia que ela saía com outros homens, mas eu não me importava com isso”, afirma. O médico Arnaldo Risman explica que não e garante: “O problema é que as mulheres que têm esta doença fazem sexo pelo ato e não pela satisfação sexual. A partir do momento que a mulher não se sente bem fazendo sexo, mas mesmo assim não consegue parar e sua rotina cotidiana é alterada é que o problema torna-se mais visível”.

Ainda bem que no século em que nós estamos a forma de tratamento não têm nada a ver com as utilizadas no passado. As maldades para a cura não tinham limites: sucessivos banhos frios na vagina, uso de produtos cáusticos no clitóris para diminuir a sensibilidade e, acreditem, sanguessugas no períneo para tirar o excesso de sangue. Em seu tratado sobre a doença, escrito em 1783, o doutor em medicina D.T. Bienville diz: “Tenho sido constrangido a deixar morrer miseravelmente as pacientes porque nelas não fora deixado por outros médicos sangue o suficiente para colaborar no seu restabelecimento”. Entretanto ele não era dos mais bonzinhos não, senão não teria recomendado a uma paciente uma fórmula de raízes de altéia, sementes de linho, sabão branco ralado e açúcar para ser injetado no ânus! Para ele, o casamento era uma ótima cura para a doença. Mas que ninfomania era essa que qualquer marido domava? Boa parte das vítimas da doença eram moças recatadas e de boa família, mas que de uma hora para outra se viam dominadas por uma incrível vontade de fazer sexo.Infelizmente, quando o tratado de Bienville foi escrito, pensar muito em sexo já era pecado para as mulheres. Imaginem fazer em excesso!

Embora o diagnóstico ainda não seja fácil de ser feito, hoje, o tratamento é bem menos traumático. “O primeiro passo depende da mulher. É ela quem tem que procurar ajuda. Normalmente a mulher nos procura por causa das pressões sociais que ela sofre. Depois é feita uma análise para se ter idéia da gravidade do problema. Uma vez diagnosticado, nós temos que ter um cuidado todo especial com a paciente porque, embora nós saibamos que ela está doente, não falamos isso explicitamente para ela. Nós evitamos a palavra doença porque a ninfomania não é uma disfunção sexual, mas uma desarmonia psico-sexual”, explica a também psicóloga e sexóloga Raquel Câmara. “O maior problema é que essa ansiedade em busca de sexo leva a uma grande angústia e nós acolhemos essa angústia para que possamos trabalhar o lado orgânico e psicológico simultaneamente. Tentamos levantar a auto-estima da mulher e mostramos os riscos que ela corre. Além do evidente risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis, nós procuramos fazer um alerta no campo social também. Ter uma compulsão sexual e correr o risco de ser chamada de galinha, vagabunda e outras coisas que, além de não ajudar em nada, deixam um grande sentimento de culpa na paciente porque ela simplesmente não consegue parar. É como um alcoólatra ou um viciado em drogas. Ele sabe que está se matando, mas mesmo assim não consegue parar”, compara a sexóloga.

A ninfomania ao longo dos tempos

A palavra ninfomania vem da combinação de duas palavras de origem grega: mania significa loucura ou frenesi e ninfo, uma noiva ou, mais geralmente, uma donzela. Este termo se refere às entidades mitológicas semidivinas e femininas que povoavam as florestas do mundo greco-romano sempre em busca do sexo, as ninfas. A imperatriz romana Messalina, esposa de Claudius I, é um padrão desta forma de sexualidade pois dela se dizia ter, além de um harém de escravos sexuais, o costume de se disfarçar e sair pela noite à procura de sexo extra pelas tavernas e ruas da Roma antiga. No século XVIII as ninfomaníacas eram mulheres que falavam palavrão e mexiam seus corpos de maneira que exprimiam seus “sentimentos libidinosos”. Outro sinal denunciador do problema, na época, era a mulher ter o clitóris comprido. Chegaram a teorizar que os órgãos reprodutores das mulheres causavam doenças físicas e mentais. A explicação para as causas eram as mais diversas: nervos esgotados, inflamação no cérebro, problemas de coluna, cabeça deformada, irritação nos órgãos sexuais e alguns médicos acreditavam que a predisposição para o problema poderia ser de fundo genético. No entanto, a preocupação dos médicos era também moral. Afinal de contas, numa época de costumes e tradições muito rígidos, a ninfomania era uma ameaça às famílias tradicionais.

O desenvolvimento de especialidades médicas, como ginecologia, neurologia e psiquiatria no século XIX, levou a conflitos internos na medicina, em que cada especialidade promovia sua própria explicação e o tratamento recomendado para as doenças das mulheres. Apesar disso, a ninfomania permaneceu sem muita atenção. Os neurologistas já discordavam da teoria uterina levantada no século anterior segundo a qual a doença era causada por problemas nos órgãos genitais. Já os alienistas (nome mais antigo para designar os psiquiatras), consideravam o cérebro e o sistema nervoso como a origem do problema. A ginecologia, que ainda não era especialidade médica respeitada na primeira metade do século XIX, teve um sério obstáculo a transpor porque os costumes sociais da época limitavam o que os médicos podiam ver ou tocar. Eles examinavam as pacientes totalmente vestidas, faziam perguntas simples, verificavam o rosto, mãos e pés e davam o diagnóstico sem sequer encostar no órgão genital da mulher. No meio do século, os ginecologistas começaram a usar o espéculo (precursor do instrumento atual que é inserido na vagina) e passaram a fazer exames mais meticulosos, mas não adiantou. Moralistas protestaram dizendo que isso era invasão dos corpos das mulheres. Um mais radical chegou a dizer que o uso do espéculo poderia despertar as paixões de uma mulher, levando à ninfomania. Foi então que os ginecologistas tomaram drásticas medidas. Como eles associavam a doença e suas queixas a distúrbios nos órgãos reprodutores, uma nova “cura” radical surgiu: a remoção dos ovários e a clitoridectomia (remoção do clitóris).

As publicações médicas do século XIX declaravam que a satiríase era o equivalente masculino da ninfomania. Entretanto, convictos de que as mulheres eram mais sensuais do que os homens, acreditavam que a doença masculina ocorria com uma freqüência muito menor. Como se não bastasse, eles presumiam que a ninfomania, como uma doença, era muito mais grave do que a satiríase. O preconceito já era evidente e as conseqüências previstas para a ninfomaníaca eram em geral piores do que as indicadas para os satiríacos: o destino de uma ninfomaníaca era a prostituição ou o hospício, enquanto alguns médicos achavam que um satiríaco podia continuar a viver sem se meter em maiores encrencas se aprendesse a se controlar. As mulheres de classe média, maiores afetadas pelo problema, deveriam ser um exemplo de pureza e controlar seus desejos sexuais pela força do seu exemplo.

Lançado há pouco tempo, o livro “Ninfomania”, Ed. Imago, da americana Carol Groneman aborda a questão de uma maneira bastante ampla, mas ela mesma afirma que não há uma definição satisfatória da ninfomania. Para ela, não há comportamento normal ou anormal, simplesmente algumas pessoas fazem mais sexo do que outras. Na opinião de Carol, não cabe a um cientista ou médico determinar o que é ou não natural. A ninfomania é uma grande metáfora que traz consigo fantasias, medos, ansiedades e perigos não somente ligados à sexualidade feminina, mas à própria saúde da mulher. Além disso, o sexo não está apenas no corpo. Muitas outras coisas, inclusive o que se considera normal ou natural na ocasião é que dão o real significado a esta palavra. Talvez possamos definir, brincando, a ninfomaníaca como alguém que faz mais sexo do que você.