Médica diagnosticou o próprio câncer e revela maior lição que teve como paciente

por | out 29, 2018 | Comportamento

Dedicação é a palavra que se encaixa perfeitamente para descrever Fabíola La Torre, de 42 anos, como médica. Desde que se formou e se especializou em pediatria, ela trabalha em UTI infantil oncológica, ou seja, dedica todo seu amor, carinho e cuidado a crianças que lutam contra o câncer. Mas, quando ela foi diagnosticada com câncer de mama e de médica se tornou paciente, toda a percepção que ela tinha da profissão mudou.

Diagnóstico de Fabíola: “Eu tinha certeza que aquilo era um câncer”

Fabíola estava no banho e, como de costume, apalpava as mamas para realizar o autoexame. Segundo ela, suas mamas sempre foram densas, o que dificulta a visualização e interpretação das imagens da mamografia.

Ela apalpava as mamas com bastante frequência pois já havia encontrado dois cistos e feito pulsão, mas felizmente nenhum deles era maligno. Só que desta vez, o carocinho era diferente dos outros que ela havia encontrado.

Vale lembra que o autoexame já deixou de ser algo recomendado como técnica de rastreamento do câncer pelo Inca (Instituto Nacional do Câncer) e pelo Ministério da Saúde há mais de dez anos. Como Fabíola é médica, conhece técnicas diferentes para apalpá-las, só que mesmo assim, nunca deixou de fazer os exames preventivos.

A mamografia mais recente de Fabíola era de seis meses atrás e estava tudo bem. Mas ela sabia que aquele nódulo era algo a mais. “Eu tinha certeza que aquilo era um câncer”, contou a médica que marcou uma consulta com um mastologista.

“Antes de ir nele, eu mesma fiz um pedido de mamografia e interpretei o resultado: as características eram malignas”. Depois de realizar a biópsia em junho de 2016, veio a confirmação: câncer de mama.

Como Fabíola enfrentou o diagnóstico

“Em nenhum momento, na fase inicial da minha doença, eu pensei que fosse morrer”. Como médica, Fabíola sabia que suas chances de cura eram bem altas – 98% – e, por isso, deixou a positividade dentro dela falar mais alto.

O que mais a perturbava era a perda dos cabelos. “A primeira coisa que eu perguntei para o médico foi: ‘eu vou fazer a quimio que cai cabelo?'” e infelizmente o médico respondeu que o tratamento causaria alopécia total, ou seja, ela ficaria careca.

“Todo mundo tem apego ao cabelo. Cabelo não é o de menos, cabelo é a sua moldura. Todo pedaço do seu corpo é um importante para você”, revelou Fabíola que antes mesmo de fazer a primeira sessão de quimioterapia, já tinha duas perucas em casa.

“Eu admiro quem assume a careca ou usa lenços. Eu só dormi um dia sem peruca e quando acordei, estava muito deprimida. Me olhei no espelho e não me reconhecia, aquela não era eu”.

O que Fabíola aprendeu como médica e paciente

Muitos tem a falsa ideia de que médicos nunca ficam doentes. É como se eles fossem imunes a qualquer tipo de vírus, bactéria ou alterações celulares.

Mas a verdade é que quando são diagnosticados, eles passam pelos mesmos desafios que qualquer outra pessoa. Para Fabíola, a pior parte do tratamento era deixar os enfermeiros colocarem o cateter em sua veia para receber a quimio. “Como intensivista, passei mais de 16 anos da minha vida entre apitos de aparelhos, luzes, tubos, cateteres”. Mas ver aquilo na própria pele era completamente diferente.

Passar pela luta contra o câncer a fez ainda mudar a percepção do ambiente hospitalar. Fabíola viu, por exemplo, a importância que tem um enfermeiro. “São eles que ficam ali do nosso lado enquanto tomamos o medicamento, nos dando apoio e suporte não só físico, como emocional”.

Na época, ela trabalhava como coordenadora em uma UTI infantil oncológica em hospital de São Paulo e quando os efeitos da quimioterapia começavam a surgir, ela pensava nas crianças, que tomam a medicação correndo e brincando. “O contato com eles me ajudou muito a lidar com os sintomas do tratamento”.

Depois das sessões, Fabíola ainda teve que passar por uma quadrantectomia, caso particular de mastectomia em que só se remove um quarto da mama, e mais algumas sessões de radioterapia. Como médica, ela também ficou bem apreensiva antes da cirurgia.

“Como médicos, não gostamos de não ter controle da situação, ainda mais sobre seu próprio corpo”, revelou Fabíola, que ainda fez a seguinte observação: “Não deixei de ser médica, apenas passei a ser também paciente”.

Com tudo isso ela aprendeu que “Médicos podem se tornar seus verdadeiros amigos. E verdadeiros amigos podem se tornar seu médico para todas as horas. Eu tinha muitos médicos amigos, mas de trabalho. Aliás meu melhor amigo é médico. Mas agora meus médicos são meus amigos”.

Desafio após o tratamento

Fabíola perdeu os cabelos, parte da mama, sentiu todos os efeitos da quimioterapia e viu como o câncer é uma doença mutiladora, mas outro impacto viria após o tratamento.

Curada do câncer, Fabíola estava ansiosa para voltar ao trabalho. “Aquele lugar era mais do que meu emprego, era um sonho, minha vida. Eu passava mais tempo ali do que em casa com a minha família”.

Mesmo quando estava no posto de paciente, Fabíola nunca deixou de exercer seu papel de médica. Ela diminuiu o ritmo, mas não parou de trabalhar durante o tratamento.

Mas ao voltar ao trabalho, foi demitida desabou. “Eu não derramei uma lágrima com o meu câncer, mas o que eu chorei quando sai do hospital.”

História virou livro

Logo que Fabíola descobriu o câncer de mama, ela decidiu fazer um blog para ajudar mulheres que também sofriam com a doença. Como médica, ela escrevia com bastante propriedade sobre os sintomas, diagnósticos, tratamentos. Mas as coisas tomaram uma proporção muito maior.

“Quando eu comecei a escrever no blog, eu virei ativista para ajudar mulheres a conseguirem peruca e mais algumas coisas, como lenços. Além disso o site também virou fonte de informações para elas”.

Fabíola juntou toda sua trajetória de vida e escreveu seu livro: “De Médica à Paciente”, onde relatou a luta contra a doença, deu dicas para quem enfrenta o câncer e ainda destinou um espaço para relatos inspiradores de mulheres que passaram pelo mesmo que ela.

No livro ela também conta todos os aprendizados que o câncer trouxe, como o apego ao cabelo, que com o tempo se tornou algo menor, a dedicação excessiva ao trabalho, que não fazia nada bem, e a valorização do marido e do filho, da família e dos amigos que estiveram ao seu lado. Além do aprendizado que teve deixando o protagonismo médico de lado e sendo paciente.

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