Ana Clara Moniz é uma jovem de 20 anos com AME (Atrofia Muscular Espinhal), uma doença que afeta todos os músculos de seu corpo e faz com que ela tenha dificuldade em realizar movimentos comuns, como levantar um copo de água cheio.
“Meus pais começaram a perceber que eu era um bebê muito molinho e que não conseguia engatinhar. Logo que eu fui diagnosticada, com um ano de idade, o médico disse para os meus pais que eu não sobreviveria até os dois”, conta Ana Clara em entrevista ao VIX.
Os anos que seguiram mostraram à família que a previsão do médico estava bem errada.
Ana Clara Moniz: criada para fazer o que sempre quis
A AME é uma doença neuromuscular, genética e degenerativa. No caso da estudante de jornalismo, o tipo de AME é intermediário. Ela tem movimento e sensibilidade no corpo, mas não força. Por isso, uma cadeira de rodas a acompanha desde pequena para ajudá-la a se locomover.
O choque inicial foi grande para a família não só por conta da previsão do médico, mas também pela falta de informação na época. A família aprendeu à base de tentativa e erro a lidar com a situação.
Aos olhos de Ana Clara, ela sempre teve tudo que os amigos tinham. “Eu cresci como qualquer outra criança. Meus pais me criaram para que eu fizesse tudo do meu jeito e eu conseguisse fazer tudo que eu quisesse.”
Por outro lado, aos olhos de desconhecidos, Ana Clara nem sempre é vista desta forma.
Nem sempre a pessoa com deficiência precisa de ajuda
Estudante de jornalismo, Ana Clara estava no começo da faculdade quando passou por uma situação que a faria se tornar uma verdadeira “chata ativista da acessibilidade, da representatividade e contra o preconceito”, como ela mesma se classifica em sua página no Instagram.
Ela estava sozinha pela faculdade quando uma inspetora desconhecida se aproximou e perguntou se a estudante precisava de ajuda. Não era necessário, mas a mulher não se contentou com a recusa e insistiu na ajuda.
Ana Clara continuou dizendo que não precisava. Foi quando a inspetora virou para um grupo de jovens que estava próximo – e nem mesmo conhecia Ana Clara – para perguntar se ela precisava de ajuda.
“Aí eu fiquei muito envergonhada. As pessoas ficaram sem saber o que responder. Fiquei muito irritada. Fui em direção da biblioteca e ela foi atrás de mim, insistindo em ajudar, e eu falando que não precisava. Para resumir, ela não me deixou fazer o que eu queria e não deixou eu me locomover pela faculdade sozinha porque ela presumiu que eu precisava de ajuda, sendo que eu falei diversas vezes que não precisava.”
Tomada de ação
Muito irritada e ainda tomada pelos sentimentos do episódio com a inspetora, Ana Clara chegou em casa, pegou o celular, gravou um vídeo com um desabafo, fez uma edição rápida e publicou no YouTube.
“Te ajudando a ajudar uma pessoa com deficiência” foi o primeiro vídeo para tratar do tema pessoas com deficiência no canal da estudante.
Com o retorno que teve, ela percebeu que poderia fazer algo para ajudar na conscientização das pessoas que não têm uma deficiência. Ao mesmo tempo, pessoas com deficiência passaram a se sentir representadas pelo que Ana Clara falava.
Atualmente, ela trabalha mais com o Instagram. Já são 17 mil pessoas acompanhando a jovem pelo perfil _anaclarabm.
Mas não se engane, ela não fala apenas sobre ativismos e deficiência. Ana Clara fala sobre aquilo que vive. Por ter AME, consequentemente ela vive experiências relacionadas à deficiência, mas ela alerta que é preciso ter em mente que as pessoas não precisam falar sobre isso o tempo todo e nem mesmo militar sempre.
“Antes de ser uma pessoa com deficiência, eu sou uma pessoa, sou estudante de jornalismo e tenho meus interesses, meus gostos. E tem muitas pessoas com deficiência que não são militantes, não postam vídeos, batem de frente, e tudo bem. É quase impossível se ausentar, mas não significa precisar estar a frente o tempo todo.”
Ana Clara escolheu fazer a faculdade de jornalismo após ver outra cadeirante na televisão.
“Queria fazer jornalismo, mas não sabia se conseguiria. Mas aí eu comecei a ver a Flávia Cintra na TV. Quando a vi indo na rua, entrevistando pessoas, eu pensei: ‘gente, eu posso’. Foi o que decidiu minha carreira.”
https://www.instagram.com/p/B0DtIGTJMzi/?lite=1
Flávia Cintra é uma jornalista que sofreu um acidente de carro aos 18 anos e ficou tetraplégica. Como ela revelou em entrevista no programa “Altas Horas”, o jornalismo apareceu em sua vida com ela já na cadeira de rodas.
“Quando você não vê pessoas como você é muito difícil perceber que as coisas são possíveis. Talvez se eu não tivesse visto uma jornalista com deficiência, eu achasse que o jornalismo seria impossível”, afirma Ana Clara.
Luta para que sua voz ecoe e seja ouvida
Para quem não vive uma realidade como a de Ana Clara, conhecer as vivências e histórias de pessoas com deficiência é importante para acabar com preconceitos e ideias como a da inspetora que não deixou a jovem fazer o que queria sozinha.
“Quando a gente não vive e não passa por essas coisas, não sabe. Eu acho que o preconceito é ignorância, no sentido de falta de conhecimento.”
O problema é que ainda hoje as pessoas com deficiência são pouco ouvidas. E para a influenciadora, até mesmo em outros movimentos que lutam contra o preconceito, como o movimento negro ou pelos direitos da mulher, há pouco espaço para quem é deficiente.
Quando as necessidades de pessoas com deficiência não são ouvidas, elas acabam sendo obrigadas a se isolar.
“Eu estou cansada de não poder ir nos lugares sozinha pela falta de acessibilidade, ter de deixar de ir em casa de amigo, deixar de ir em festa e até na faculdade porque não é acessível muitas vezes”, diz a estudante. “E temos muitas pessoas que querem aprender, mas não vêem isso com importância.”
“As pessoas com deficiência estão sempre em quarentena. Óbvio que a gente aguenta, a gente vive e luta para que isso acabe, mas no dia a dia isso se torna muito cansativo e exaustivo.”
Ana Clara se diz esperançosa e acredita que essa realidade pode mudar. Se cada um fizer sua parte, não só quem tem uma deficiência, mas os “jornalistas que podem ficar atentos à pauta, arquitetos que devem estar atentos à acessibilidade nas construções… Todo mundo pode fazer sua parte”.
“Você não precisa passar por isso para lutar por isso. É preciso ouvir as pessoas com deficiência e ajudar a ecoar a voz delas.”