Meu nome não é Jetson

Sexta-feira, nove da noite. Toca o celular. É um número que não conheço. Capricho na voz. Alô? Do lado de lá, imagino um rapazinho alto, moreno e bonitão. Ele pergunta se pode falar comigo. Sim, claro. Só que, em vez de me convidar para jantar, começa a enumerar as novas tecnologias do mercado de celulares.

Por educação, escuto o que o rapazinho tem a dizer. Ele explica que a nova tecnologia permite conversas de vídeo – as vídeo-chamadas: você vê com quem está falando em suas ligações. Digo que não tenho interesse, mas o bonitão faz que não ouve.

Você não usa cremes no rosto, não é? Mas você já mentiu pra sua namorada, não mentiu? Ou para a sua mãe? Ou para o seu chefe? Disse que estava no bar só com a rapaziada quando na verdade estava cercado por sirigaitas?

– Você liga e olha nos olhos de quem está falando em tempo real, transmite todas as suas emoções através do vídeo e fica ainda mais próximo de quem ama.

Peço desculpas, repito que realmente não tenho interesse e é nessa hora que ele me pergunta o motivo. Já me privo de tanto nessa vida, que resolvo, pelo menos dessa vez, abrir o coração.

– Quando você era criança, via Os Jetsons?

– Não estou entendendo, senhora.

– O desenho animado. Via ou não via?

– Via, sim, senhora.

– Então, você deve lembrar que o desenho era futurista, mostrava como viveria uma família no século 24.

– Sim, senhora. Tinha aquele robô-empregada e…

– O nome do robô é Rosie. Rosie. E tinha um monte de outros inventos tecnológicos como o despertador do George, que expulsava ele da cama, a escova de dente, o chuveiro, as esteiras pela casa, uma especial para o George passear com o Astor – o cachorro. Lembra?

– Esta ligação está sendo gravada, senhora, eu vou estar desligando…

– Aguarde um momento, por favor. Você lembra que os Jetsons tinham o vídeo-fone? Nas ruas, até os orelhões eram vídeo-fones. Lembra?

– Mais ou menos, senhora, vou estar…

– A senhora Jetson, chamada Jane Jetson, sempre recebia telefonemas quando estava com aparência cansada, descabelada e com cremes no rosto. Tá lembrado?

– Não, senhora.

– Mas ela recebia. E ela não queria expor sua figura naquelas condições. Para isso, ela ia até o armário, de onde tirava uma máscara perfeita que cobria o seu rosto cansado e exibia uma Jane maquiada e produzida. Eu queria saber se a companhia de celular vai estar disponibilizando essas máscaras personalizadas para os clientes.

– Como?!

– Você não usa cremes no rosto, não é? Mas você já mentiu pra sua namorada, não mentiu? Ou para a sua mãe? Ou para o seu chefe? Disse que estava no bar só com a rapaziada quando na verdade estava cercado por sirigaitas? Disse que estava a caminho, quando ainda estava no elevador do prédio? Disse que estava na sua mesa de trabalho, quando estava na rua?

– Senhora…

– Eu queria muito saber se a companhia de celular vai estar disponibilizando backgrounds personalizados, um pacote básico de banners com fotos da minha mesa de trabalho, do interior do meu carro e de uma mesa de chope só com as minhas amigas para eu estar utilizando quando quiser manter a minha privacidade.

– Não, não, senhora…

– Os Jetsons faziam uso de um invento muito mais atraente do que os vídeo-fones: o veículo, ao chegar no destino, era transformado em uma bolsa com alça. Eu gostaria de estar fazendo essa sugestão para a companhia telefônica.

– Vou estar falando com o meu supervisor e estar retornando a sua ligação.

– Desculpe a demora e obrigada por aguardar. Só mais uma pergunta: você é alto, moreno e bonitão?