Na boca do sapo

O Brasil é o país do sincretismo. Por mais que muita gente se considere religiosamente bem resolvida, no fundo, todo brasileiro leva fé numa boa mandinga, principalmente na hora do desespero. Aí, nos revelamos um povo sem qualquer preconceito: todo santo é santo, não importa a raça, o credo, a nacionalidade e, em muitos casos, nem se ele vai pedir alguma coisa em troca. Mas isso não quer dizer que as forças ocultas sejam tratadas com desdém. Muito pelo contrário, na mesma medida em que aquilo que se convencionou chamar de macumba nos atrai, nos mete também um medo desgraçado. E dessas experiências cada um tira a sua conclusão. Desde que nós permaneçamos aqui e eles, os santos, entidades, almas ou como queiram chamar, do lado de lá.

Um bom exemplo dessa relação do brasileiro com as forças ocultas é o caso da jornalista Sandra Fiori. Depois de quase dois anos sem conseguir engrenar em um relacionamento, ela foi pedir ajuda a uma mãe de santo, indicada por uma conhecida. “Todo mundo falava que aquilo era macumba que tinham colocado em mim, até eu já estava acreditando. Resolvi tomar coragem e ir no terreiro. Cheguei lá e a vovó que estava incorporada na mãe de santo pediu que eu fosse numa encosta e levasse um nhame-cará, não sei quantos palitos e mel. Passei no supermercado, comprei tudo e fiquei rodando a cidade atrás de uma encosta que não tivesse muita gente por perto, porque eu estava morrendo de vergonha de passar por macumbeira”, conta. Encontrado o lugar ideal, Sandra fez o trabalho, rezou, e se compenetrou tanto nos pedidos que acabou enfiando o pé na comida do santo. “Fiquei nervosíssima, saí correndo de lá, quase chorei de medo no carro. Rezava, rezava, pedindo desculpas. Graças a Deus, ou sei lá ao quê, nada me aconteceu”, lembra ela, que acabou encontrando um namorado pouco tempo depois. “Acho que o santo entendeu que foi sem querer, um acidente de trabalho”, acredita.

Mas nem todo mundo que se aventura a bater um tambor fica cheio de dedos na hora de consumar os fatos. A estudante Carla Amaral, de família umbandista, reconhece que, muitas vezes, o santos fazem mesmo recomendações um pouco escatológicas. “Algumas eu faço, outras eu já acho demais”, comenta. Seu critério, no entanto, não a impediu de partir para a cozinha armada de ingredientes, digamos, pouco convencionais. “O santo me disse que eu precisaria cortar alguns fios de cabelo e pêlos das axilas e da região pubiana, torrá-los e misturá-los à comida do meu namorado para que ele não me deixasse. Tinha que fazer sete vezes e eu fiz, apesar do cheiro horroroso do cabelo queimado”, confessa. O resultado? Melhor que a encomenda. “Ficamos juntos por anos, noivamos e fui eu quem acabei terminando tudo um tempo depois. Mas ele se diz apaixonado por mim até hoje”, revela.

Algumas vezes, porém, para alcançar os desejos, não basta contar com o próprios recursos. Infelizmente, é preciso envolver terceiros. “Eu tinha que cozinhar uma galinha preta e arriar com uma rosa, um maço de cigarros e um prato de farofa numa encruzilhada. O problema é que eu tinha que comprar e matar. Só que cadê coragem?”, conta a enfermeira Tânia Linhares. De posse do bicho, que ficou devidamente hospedado em seu quintal, Tânia se torturou durante duas semanas, até que se demoveu da idéia. “A galinha ficou lá em casa e, enquanto eu adiava a hora de matá-la, fui me afeiçoando a ela. Comprei milho, meus sobrinhos iam vê-la, virou atração. Perdi completamente a coragem de dizimar o bichinho. Mandei embora e desisti daquele negócio”, lembra ela que garante, entretanto, não sentir tanta pena quando vê pobres franguinhos girando em espetos de padaria.

Bater cabeça pode não ser uma opção e sim uma necessidade. É o caso quando um trabalho precisa ser desfeito. “Tinha aberto uma empresa que estava indo de vento em popa. Mas, de uma hora pra outra, tudo começou a dar errado, a matéria prima atrasava para chegar, recebemos uma multa, quase pegou fogo na casa, uma desgraça. Até que uma das sócias cismou que era macumba que tinham colocado em cima da gente”, conta a carioca Helena de Paula. Convencidos de que tanto azar não podia ser coisa desse mundo, ela e as duas sócias foram em busca de ajuda. “Era uma mulher conhecida, tinham até artistas que freqüentavam a casa dela. Diziam que ela transformava até bicicleta em sopa Knorr”, garante Helena que, até hoje, parece não acreditar no que viu. “Chegamos lá e ela disse que haviam mesmo amarrado a gente. Ficamos cada uma numa ponta da sala segurando um lençol e rezando. Quando acabou, abrimos o pano e tinha tudo lá dentro: fios de cabelo, pedaços de pano e até uma camisa minha”, revela a empresária. Pouco depois, tudo estava de volta ao normal. “Fechamos um bom contrato logo na semana seguinte. Agora, não brinco mais: minha sala é cheia de figuinhas por todos os cantos”, afirma.

Levar uma fé em energias ou forças que nem conhecemos direito é algo que já faz parte da nossa cultura. Entretanto, todas elas compõem seitas e religiões que, independente da nossa crença real, merecem muito respeito. Afinal, ninguém quer ter o pé puxado no meio da noite.