Você se lembra da fábula da raposa e das uvas? Aquela em que, numa tarde quente de verão, o bichinho passeava por um pomar com sede e calor até avistar um suculento cacho de uvas. Depois de passar horas a fio pulando que nem pipoca para alcançá-lo, exausta e frustrada, a raposa decidiu ir embora – com ainda mais sede e fome – dizendo: “quer saber? Essas uvas estão verdes, amargas, secas e bichadas! Não quero essa porcaria”. Pois é, você também já deve ter reparado que, no mundo dos relacionamentos, o que tem de raposa por aí não é brincadeira. Talvez, de tanto ouvir a história de La Fontaine, muita gente serve de comprovação viva para o ditado que diz que quem desdenha quer comprar e sai por aí arranjando culpa para os outros para compensar as próprias frustrações.
Quem nunca desconfiou das reais intenções de uma pessoa que vive de falar mal de outra, incondicionalmente? Foi assim que a produtora de moda Juliana Braga começou a suspeitar de que o estranho ódio que sua colega de trabalho nutria por seu namorado era, na verdade, sintoma de uma paixão quase incontrolável. E frustrada. “Meu namorado tinha, por coincidência, estudado no mesmo colégio que essa minha colega. Na época, eles tiveram um rolo rápido, mas ele não quis nada e ela nunca aceitou. Quando nós todos nos encontramos numa festa, foi uma saia-justa terrível. Ela o reconheceu na hora e, no dia seguinte, no trabalho, me puxou num canto e começou a me dizer que era bom eu aproveitar que a gente estava no começo do namoro e terminar logo, porque ele não prestava”, conta.
Juliana, que a princípio se sentiu ofendida, ficou com a pulga atrás da orelha e resolveu deixar a bola correr só para ver até onde a história iria. “Meu namorado já tinha me contado o que tinha acontecido na época do colégio. Ela espalhou mil boatos sobre ele para as amigas, que ele beijava mal, que só queria levar ela pra cama, aquelas coisas de adolescente. Ela também me contou essas coisas, que todo mundo odiava ele, mas era uma coisa que mexia tanto com ela e tão sem motivo, afinal já tinha se passado muito tempo, que era óbvio que ela era louca por ele”, lembra a produtora que faz questão de dizer que, hoje, está muito bem casada com o tal namorado. “Esse tipo de coisa é deprimente”, comenta, de cima do salto.
A estudante Ana Paula Amorim compartilha da mesma opinião. Ela sofreu nas mãos de um apaixonado colega de faculdade, que colocou sua paciência à prova. “Ele me cantava descaradamente das maneiras mais toscas e eu sempre dando fora. Mas ele era muito insistente e, um dia, eu perdi o saco e mandei uma grosseria. Não foi nada muito grave, só um ‘vai pastar, garoto!’. Foi o suficiente pra ele se sentir profundamente ofendido e jurar ódio eterno. De um dia pro outro, começou a virar a cara pra mim”, conta. Mas não foi só isso. Por causa do complexo de raposa do rapaz, Ana Paula acabou difamada aos quatro ventos. “Ele inventou tanta história que pessoas que nunca tinham me visto, me conheciam como a grossa, a estúpida. Fiquei doida de raiva, só que eu tinha motivo, ele não”, revolta-se. Até o dia em que tudo caiu por terra, com a devida ajuda do álcool. “Numa chopada de fim de período da faculdade, ele apareceu, bebeu horrores e começou a chorar no meio dos amigos, por minha causa. Dizendo que eu tinha feito ele sofrer, uma porção de loucuras. Na hora, eu desculpei, conversei, mas nunca consegui ter nenhuma espécie de relação com ele. O que ele fez foi muita falta de respeito”, lembra.
Para a psicóloga Patrícia Madruga, esse tipo de comportamento é reflexo de uma personalidade imatura e profundamente insegura. “O que acontece é uma transferência: a pessoa não sabe lidar com as frustrações e culpa o outro ou as circunstâncias pelo seu fracasso. O homem que fala mal da mulher por quem está apaixonado está fazendo uma defesa. Ele possivelmente tem dificuldade em lidar com esse de sentimento porque se sente fragilizado, já que isso lhe coloca o orgulho em cheque. É um tipo de conflito muito comum que só um maior amadurecimento pode resolver”, garante. Como ninguém está livre de ter a vida cruzada por alguma dessas raposas, segundo Patrícia, o melhor a fazer diante desses rompantes de ódio é ignorá-los solenemente. “Entrar na briga só vai fazer com que se compactue com a mentira. O melhor a fazer é deixar de lado, mas sempre se mantendo aberta a uma conversa. Mas, apenas se isso for proposto”, completa. No entanto, se a paciência não resistir, que tal apresentá-lo àquela sua amiga que também vive de mal com o mundo?