Recentemente, o rapper norte-americano T.I. deu uma declaração polêmica ao participar de um podcast; questionado sobre suas filhas, ele afirmou que leva Deyjah Harris, de 18 anos, ao ginecologista anualmente, mas não por preocupação com a saúde da moça, e sim para checar a integridade de seu hímen.
Rapper T.I. monitora o hímen da filha e declaração choca
Em entrevista ao podcast “Ladies Like Us”, o rapper disse que leva Deyjah ao ginecologista todo ano desde o aniversário de 16 da filha e que, lá, ela precisa assinar um termo autorizando o médico a revelar detalhes dos exames para o pai. A razão disso, segundo ele, é checar se ela ainda é virgem.
“Fazemos visitas ao ginecologista para checar o hímen dela”, disse ele no papo, se referindo à membrana que fecha parcialmente o canal vaginal e costuma se romper durante o ato sexual ou sob outras circunstâncias. Sob risos das apresentadoras, ele disse que marca a consulta de surpresa, e expôs a intimidade da filha.
“No aniversário de 18 anos dela, o hímen ainda está intacto”, disse ele. Durante o podcast as críticas das apresentadoras ocorreram entre risadas, porém, nas redes sociais os internautas foram categóricos ao afirmar o quão problemática é a atitude do cantor – a ponto de o episódio ter sido excluído.
https://twitter.com/missodessa/status/1192133941525807105
“Imagine seu pai indo a um programa de rádio para discutir como ele monitora seu hímen e contando a todos seu ‘status virginal’ como se seu corpo fosse da conta de todos”.
The most frightening thing about the whole TI situation is, okay and so what would he do if he realized that her hymen was no longer in tact? What disciplinary action would he feel entitled to take? I’m just…disgusted.
— Bronxology 👑 (@MindBodyBronx) November 6, 2019
“A coisa mais assustadora sobre essa situação envolvendo o T.I. é, ok, mas o que ele faria se o hímen dela não estivesse mais intacto. O que ele se sentiria no direito de fazer para discipliná-la? Eu estou… Enojada”.
TI allegedly going to the gynecologist with his daughter to ensure her hymen is intact is invasive and abusive. Especially when an intact hymen doesn't conclude the absence of vaginal penetration;and an absence of the hymen doesn't conclude that consensual sex occured.
— Kenyette Tisha Barnes (Ktishb.bsky.social) (@K_TishB) November 6, 2019
“O T.I. supostamente indo ao ginecologista com a filha para assegurar que o hímen dela está intacto é invasivo e abusivo. Especialmente quando um hímen intacto não significa a ausência de penetração vaginal, e a ausência do hímen não significa que sexo consensual aconteceu”.
O que dizem os especialistas
De acordo com o rapper, durante as consultas ele foi alertado pelo médico sobre o fato de que ter uma relação sexual não é a única forma de uma mulher ter seu hímen rompido – e, apesar de ele dizer não ter se importando com o aviso, isso é algo importante de se ter em mente.
Conforme explica Fernanda Pepicelli, ginecologista e obstetra da Clínica MedPrimus, o hímen (membrana levemente elástica com uma abertura no centro), resiste, na maior parte das vezes, à inserção de um absorvente interno, mas, se não houver cuidado na hora de retirá-lo, é possível que o rompimento desta membrana aconteça.
A masturbação, segundo ela, também é outra situação em que o hímen pode acabar se rompendo. “Com o dedo, ele dificilmente se rompe, mas com brinquedinhos isso pode acontecer”, explica a médica. Além disso, ela também cita a possibilidade de o rompimento ocorrer a partir de um acidente que afeta a região.
“Dificilmente rompemos o hímen com impacto, vemos mais quando há um trauma importante, onde a pessoa realmente se machuque”, diz. É importante ressaltar também que a relação sexual não se resume à penetração vaginal, então é possível que uma mulher faça sexo (anal, oral, troca de carícias) e ainda tenha a membrana intacta.
Outro ponto que invalida a “checagem” feita pelo rapper para saber se a filha ainda é virgem do ponto de vista médico é o fato de que há vários tipos de hímen. Enquanto alguns são frágeis e se rompem na primeira relação, outros são elásticos e permitem a penetração sem se romper durante mais tempo ou simplesmente não se rompem.
É o caso do hímen complacente, que, segundo o ginecologista e obstetra Rodrigo da Rosa Filho, tem a forma de um “anel” como o anular, mas não se rompe facilmente. Em alguns casos, ele se rompe apenas a partir de intervenções cirúrgicas (feitas apenas quando ele gera desconforto para a mulher) ou se ela tem um parto natural.
Comprovação da virgindade: atitude é nociva
Além de a conduta do rapper não fazer sentido do ponto de vista médico, a psicóloga Renata Bento afirma que essa “fiscalização” e a exposição da moça não é uma situação nada positiva. “Exigir exames de comprovação de virgindade e agendar consultas-surpresa é uma invasão, é uma forma deturpada de mostrar cuidado”, diz.
Conforme explica a especialista, é possível que, a partir dessa invasão, a jovem fique com seu psicológico prejudicado. “Esse tipo de atitude pode provocar insegurança, dificuldade no processo de autonomia e independência”, explica, ressaltando também que há até potencial para que ela seja mais suscetível a abusos no futuro.
quote:” Exigir exames de comprovação de virgindade é uma invasão, é uma forma deturpada de mostrar cuidado” Renata Bento, psicóloga.
Isso porque, caso a filha do rapper tenha uma saúde mental íntegra, ela tende a se incomodar e lutar pela própria privacidade, mas, caso ela tenha um psicológico mais frágil, pode confundir esse controle excessivo com uma atitude de carinho e cuidado – levando isso adiante na vida.
“Isso pode fazê-la interpretar atos de abuso como se fossem manifestação de amor, deturpando os relacionamentos”, afirma. Além disso, ela também lembra que a exposição da conduta durante a entrevista também é bastante prejudicial para a saúde mental dela (e de qualquer outra mulher que passe pelo mesmo).
“Além de invadir a privacidade, [o pai] expõe o fato como ‘prêmio’. Isso é colocá-la diante de uma situação de abuso emocional, e pode ser difícil para a menina compreender isso, uma vez que surge de alguém que deveria preservá-la”, esclarece Renata.
Qual é a conduta adequada?
A sexualidade é parte natural do ser humano e discutir o assunto com os filhos é algo essencial – mas não por meio de uma invasão da privacidade deles. “O sexo não deve ser tratado como tabu, conversar com naturalidade ajuda a aproximar. A conversa favorece a intimidade para que os filhos fiquem livres para perguntar”, diz Renata.
Apesar de a descoberta da sexualidade, em geral, começar na infância e ser marcada por mais curiosidade sobre o assunto na adolescência, a psicóloga explica que não há consenso sobre a “hora certa” de abordar isso entre pais e filhos. Aqui, é preciso avaliar cada caso separadamente.
“As experiências de prazer se iniciam durante a primeira infância através do toque e das sensações no próprio corpo. O desejo sexual vai surgir com mais evidência durante o período da adolescência, que é também quando se inicia a vida sexual, mas não existe uma idade determinada, isso é muito pessoal”, afirma.
Independente da idade em que isso ocorra, porém, o papel dos pais é o de cuidar da filha ou do filho, bem como assegurar que eles têm acesso a informações confiáveis. No caso de mulheres, a psicóloga destaca a necessidade de encaminhá-la para um ginecologista, mas sem fazer “terrorismo”.
“[É saudável] orientar a filha, escolher o médico e acompanhá-la na consulta, deixando-a, se necessário, conversar com privacidade em um momento. Orientar sobre a necessidade de consultas anuais e a importância dos exames demonstra interesse e cuidado pela filha”, conclui.