Sonhar é preciso

por | jun 30, 2016 | Comportamento

O momento é mágico. Você pode estar em um país exótico, vivendo uma grande aventura. Ou então percebe que se transformou em uma multimilionária e está vivendo em um grande palácio, rodeada de tudo o que sempre desejou. Pode ser, também, que esteja em uma ilha deserta com aquele ator de cinema bonitão, numa noite de sexo selvagem. Ter sua casa atacada por um temível monstro gigante. Ou receber a vista daquela sua querida avó, que faleceu há anos e de quem você morre de saudades. Bastou colocar a cabeça no travesseiro, relaxar e fechar os olhos, tudo é possível. No mundo dos sonhos, somos sempre as protagonistas das mais diversas situações, boas ou ruins. Alguns ficam tão vivos na memória que impressionam. Outros são totalmente esquecíveis. Sonhar é, na verdade, um delicioso mistério.

Os sonhos podem ser considerados um dos maiores enigmas da humanidade. Ninguém sabe de onde vêm e para que servem. No entanto, as mais variadas versões povoam a imaginação das pessoas através dos séculos, entre elas filósofos, médicos, escritores e artistas. Na Antigüidade Clássica, os sonhos eram vistos como mensagens de deuses e demônios. Na Índia, a onirologia –ciência de interpretação dos sonhos – era usada para desvendar doenças, enquanto no Egito se acreditava que os sonhos eram presentes divinos e até existiam dicionários de símbolos oníricos. A literatura universal, durante anos e anos, se encarregou de dar sentido mágico, profético, telepático e fantástico ao mundo dos sonhos.

Mas foi em 1900, quando Freud publicou o livro “A Interpretação dos Sonhos”, que surgiram as primeiras idéias psicoanalíticas a respeito do tema. Nesse livro – um dos mais traduzidos em todo o mundo – Freud defendeu a idéia de que os sonhos refletem tudo o que há no inconsciente das pessoas. “Ele entendeu que os sonhos são uma realização de desejos disfarçada. Tudo o que a pessoa não pode fazer acordada, realiza nos sonhos. É por isso que sonhamos, por exemplo, que estamos dando uma bronca em alguém, quando na verdade não temos coragem de falar pessoalmente”, explica a psicanalista Andreneide Dantas, do Instituto Tempos Modernos (instituto de estudos psicanalíticos), em São Paulo. Ou seja: nossos desejos mais íntimos e secretos ficam ali, armazenados no inconsciente, até que os sonhos se encarregam de trazê-los de volta para nós.

Nosso inconsciente trabalha até quando estamos dormindo. Os sonhos são, geralmente, lembranças do passado ou de coisas vividas no cotidiano. É como se fosse a nossa imagem refletida no espelho: tudo o que pensamos e sentimos está ali. Pode ser felicidade, medo, angústia, saudade, carência ou insegurança. “Costumo sonhar muito com a minha infância, com colegas de escola daquela época, com a minha família. Deve ser porque foi uma fase incrivelmente feliz da minha vida, então sempre acordo com um sorriso no rosto quando isso acontece”, filosofa a estudante Mariana Pereira. Mas também há aqueles sonhos onde projetamos toda a nossa idéia de realização pessoal, como fama, prestígio e riqueza. Seja qual for o desejo, ele será sonhado. “É por isso que até mesmo as reações fisiológicas, como a vontade de fazer xixi ou beber água enquanto se está dormindo, aparecem nos sonhos”, ressalta Andreneide.

Cinqüenta anos após a publicação do livro de Freud é que cientistas começaram a se interessar pelos mecanismos físiológicos do sono e dos sonhos. Descobriu-se que, em uma mesma noite, é possível passar por até cinco ciclos de sono. E foi aí que se descobriu uma fase chamada REM – sigla em inglês para “rapid eyes movements”. Ou seja: movimentos rápidos dos olhos. Essa é a hora em que, mesmo fechados, nossos olhos balançam para lá e para cá, um indicativo de que estamos vivendo alguma aventura onírica. “O sonho é um processo contínuo da atividade mental. Existe uma fase inicial, antes do sono REM, que serve para trabalhar as memórias e imagens do dia. Ou você retém ou apaga aquilo que não interessa. O sonho vai refletir as sensações e as emoçoes do dia-a-dia”, explica o neurologista Luciano Pinto Junior, do Instituto do Sono, em São Paulo.

Emoções essas que podem parecer confusas para quem consegue lembrar do que sonhou na noite anterior. Sonhar com coisas bizarras, que parecem não fazer o menor sentido, é mais comum do que se imagina. Que o diga a administradora Flavia Batista, que em uma mesma semana teve uma seqüência inacreditável de sonhos esquisitos. “Num deles eu enchi minha mãe de tapas e socos. Dois dias depois, sonhei o mesmo em relação a meu irmão. Em seguida, sonhei que minha família toda estava na beira do mar e as ondas vinham enormes para cima de todo mundo. Por último, que eu saí por aí dirigindo pelada”, diverte-se. A estudante Paula Dias costuma sonhar que tem superpoderes. “Volta e meia saio voando por aí”, revela.

Sonhos também são de grande valia para quem freqüenta o divã do analista. Mas se engana quem pensa que o médico vai dar as mesmas respostas que aquelas encontradas em almanaques de significado de sonhos. “A psicanálise não trabalha com simbologia, mas conceitos. Contar os sonhos ajuda bastante no tratamento, porque eles mostram o que a pessoa sente, pensa e não teria coragem de falar de forma consciente. Isso pode mostrar o caminho para a solução de alguns problemas que não haviam sido ditos numa sessão”, observa a psicanalista Andreneide.

Sonhar, não importa como ou com quem, é preciso. “O sonho faz parte de todo o processo do sono, que cuida da nossa memória, do nosso aprendizado e do funcionamento do organismo em geral. A saúde depende muito da qualidade do sono, por isso é importante que se passe por todas as fases de descanso”, diz o neurologista Luciano Pinto Junior. Se os sonhos trazem todos esses benefícios e ainda nos proporcionam uma pequena aventura, fica a questão: será que nossas noites teriam metade de graça se eles não existissem?