Como nossos pais

“Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos…como nossos pais”. Essa música, famosa na voz de Elis Regina nos anos 70, parece ter perdido o sentido. Os pais, atualmente, aperfeiçoam a educação que receberam de seus pais, dando mais liberdade aos seus filhos sem deixar de desenvolver o senso de responsabilidade em seus atos. O diálogo franco está cada vez mais presente na “mesa de jantar” e a preocupação em não esconder o carinho que sentem – seja através de um toque, de um abraço ou de qualquer outra forma – é uma constante agora na nova estrutura familiar.

A geógrafa Isabela Americano, mãe de um casal de adolescentes, é uma que decidiu seguir um caminho diferente de seus pais. Ela perdeu o pai com apenas nove anos e daí em diante sua mãe a educou sozinha. Maria, mãe de Isabela, era filha de fazendeiro no Nordeste, veio para o Rio de Janeiro estudar Direito e exerceu a profissão, quando a maioria das mulheres ainda não trabalhava fora. “Fui criada por uma mulher que ousou muito para sua época, me criando com muita liberdade, amor e carinho”, lembra. Mesmo assim, é exatamente em relação ao conceito de liberdade que Isabela faz suas restrições.

“Procuro oferecer uma liberdade mais carregada de responsabilidade, menos poética, mais chata. Quer dizer, dar limites mais claros, mas sempre justificados. Levo em conta as contingências do mundo moderno, onde cada vez mais a liberdade do indivíduo está limitada pelos direitos do outro. Hoje em dia, a família é muito menos determinante no futuro da criança. A qualidade de vida que nossos filhos terão depende muito mais do esforço e da capacidade deles. Temos que prepará-los para enfrentar essa realidade”, aconselha. Suas críticas quanto à educação que recebeu se referem à situações específicas. “Critico não ter sido mais questionada ou alertada quando larguei a Engenharia para fazer Geografia. Mas não sei se teria adiantado, pois na época estava certa do que queria. Enfim, coisas da vida. O fundamental é sempre muito amor e carinho”.

Nascida em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, a artista plástica Angela Pederneiras casou cedo para fugir da rigidez paterna. “Meu pai estipulava hora para tudo e me fez estudar em uma tradicional escola católica. Além disso, tentei fazer um intercâmbio para estudar nos Estados Unidos e fui proibida. Não cabia na cabeça dele uma mulher ir estudar num país estrangeiro. Porém, entendo que eles me deram uma educação dentro dos padrões da época deles”, explica. Por essas razões, Angela e seu marido preferiram criar os filhos sob uma ótica diferente. “Meus filhos já são adultos, mas sempre tiveram liberdade para conversar sobre tudo conosco. Fazemos questão de discutir todos os aspectos pessoais das nossas vidas, coisa que nunca tive”, conta.

Uma das atitudes mais permissivas, nem sempre aprovada inclusive por amigos do casal, é aceitar que seus filhos durmam com suas respectivas namoradas em casa. “Não vejo nenhum problema. Eu até prefiro, pois acho pior deixá-los expostos a lugares perigosos e de pouca higiene. A grande diferença é que procuramos não cultivar hipocrisia dentro de casa. Afinal, me casei aos 18 anos porque meus pais não me deixavam sair ou viajar com meu namorado”, conclui.

A dona de casa Juliana Moreira, mãe de quatro filhos, não imaginava reviver tudo aquilo que ela reclamava ser vítima na infância. Ela jurava nunca repetir algumas atitudes de seus pais com seus filhos, mas, confessa que, sem querer, se pega fazendo. “Outro dia estava cansada, de repente, os quatro resolveram brigar entre si, quando vi estava colocando um de cada vez no banho gelado, para acalmá-los, assim como a minha avó fazia com meu pai, e ele comigo”, relata Juliana. Na sua casa, ela faz questão que todos jantem juntos, que cada um conte o seu dia, que conversem entre si e que permaneçam na mesa até o final da refeição. “Isso acontecia na minha casa quando eu era jovem, eu detestava, e pensava que nunca reproduziria este modelo quando tivesse seus próprios filhos. Pois é, agora acho ótimo”, assume.

A diretora-sócia da StarSystem, Rosely Garcia, mãe de um casal de crianças, porém, acha que reproduz a educação que recebeu, muitas vezes, de forma inconsciente. “Minha educação foi boa, porque aprendi a ter responsabilidade e a lidar com limites, mas com bastante liberdade. São esses mesmos conceitos que passo para os meus filhos”, conta. Rosely admite, entretanto, que modificou algumas questões na educação dos seus filhos, principalmente com relação ao diálogo. “Meus diálogos são mais francos. Converso muito com eles, apesar de minha filha ter apenas três anos e o meu filho, nove. Também me esforço para que eles tenham autoconfiança e lutem sempre pelo que acreditam”, garante.

A gerente de vendas Ana Lúcia Trazzi, mãe de uma adolescente e de dois meninos pequenos, vai na contramão dessa tendência. Morando na França, ela faz questão de reproduzir literalmente a educação que recebeu dos pais no Brasil e que considera muito eficiente. A preocupação de criar seus filhos com os mesmos valores que adquiriu, como justiça, generosidade, respeito ao próximo e a si mesmo, é uma meta de Ana. “Acho fundamental que a criança seja educada valorizando a cultura, através do cinema, teatro e artes plásticas”, acrescenta. Para Ana, é importante ter a consciência de que o amor-próprio é a base para o desenvolvimento de uma boa educação. “É essencial se amar para poder amá-los intensamente. Temos sempre que ser verdadeiros ao dialogar com as crianças. Acredito que podemos até nos omitir em determinadas situações, mas quando questionados não devemos mentir jamais. E nunca fazer comparações entre elas”.

O único senão levantado por Ana sobre a educação que teve é que ela demonstra mais o afeto pelos filhos. “Procuro passar carinho por meio de um abraço, do contato físico, do toque maternal, de dizer ‘eu te amo’ sem constrangimento e com convicção, sendo mais transparente em certas situações e demonstrando interesse por cada um individualmente e não coletivamente”, ressalta.