Fondue inesquecível

Lembrança, assim como trabalho, é como uma penca de caranguejos. A gente pega uma e vem um monte pendurada. Dia desses, escrevendo sobre a casa da minha avó, lembrei da minha primeira fondue de queijo.

Evidentemente, estava um frio siberiano. Pleno mês de julho, 1973. Minha irmã, recém-nascida e soterrada por pilhas e pilhas de mantas, cobertores e casacos de todos os tipos, tamanhos, cores e formatos, sorria do fundo do carrinho, com aquele rostinho imenso, redondo, rosado e aquele indescritível par de olhos azuis. Diante da lareira acesa, umas três ou quatro vassouras servindo de varal para as centenas de milhares de fraldas de pano que pareciam não secar nunca. Na sala de jantar que, se não me engano, ficava uns dois degraus acima da outra, a mesa principal posta com capricho com toalha de linho, guardanapos combinando e flores colhidas diretamente do jardim horas antes por mim e por minha avó, e uma mesinha menor para as crianças e os espíritos mais jovens, também presentes.

Fondue é o vinho, é o calor que emana da lareira, dos réchauds, das conversas, das pessoas. Fondue é a luz suave das velas que deixa qualquer pessoa muito mais bonita

A excitação começou ainda no meio da tarde. Fondue, trinta e quatro anos atrás, não era coisa corriqueira em São Paulo. Era impossível comprar os queijos certos por aqui. Havia que se contrabandear tudo do exterior, trazer na mala na última hora, no meio da bagagem, rezando para ninguém da alfândega interceptar. Naquela época, fondue era um acontecimento e mais: não vinha nos saquinhos que vem hoje, mas em latas – verdes, se não me engano – altas como um vidro de aspargos e um pouco mais largas.

Abrimos várias naquela noite e me lembro com uma vivacidade incrível do cheiro. Como era forte! “Não tem a menor chance de eu gostar disso”, pensei, do alto dos meus quatro anos de experiência. Mas estava enganada. Muito enganada. Porque fondue não é apenas queijo e pão. Fondue é todo um clima de pessoas, de reunião, um momento que remete a tempos ancestrais, em que todos partilham e se servem da mesma panela. Fondue é o vinho, é o calor que emana da lareira, dos réchauds, das conversas, das pessoas. Fondue é a luz suave das velas que deixa qualquer pessoa muito mais bonita. Fondue são os cubinhos de açúcar embebidos em kirsh, servidos no patinho de prata que minha tia tem até hoje, para um prazer que já alcança a terceira geração. Fondue é tudo isso e muito mais. Pelo menos para mim…

Hoje, fondue é uma coisa prática. As embalagens vendidas em supermercados congelam divinamente bem e resistem por mais de um ano no freezer – uma boa idéia é comprá-las a preço de banana no final do inverno e fazer um pequeno estoque. Para consumir, embora a tradição mande a baguete, eu gosto de usar pão italiano. Tenho um fraco insuperável por aquele gostinho meio azedo da massa. Outra quebra de tradição é que – embora digam os entendidos que o vinho certo para acompanhar a fondue é o branco, para harmonizar com o sabor do queijo – eu só sei comer a minha com vinho tinto. No mais, sem segredos. Resta o famoso jogo de cena que vai tornar sua fondue inesquecível.

Capriche no clima, ponha uma toalha bonita na mesa, combine os guardanapos, invista em argolas interessantes, escolha os copos, acenda todas as velas que tiver em casa, compre outras – há velinhas pequenas, de réchaud, para vender em embalagens de 50 ou 100 unidades, por um preço bastante acessível. Acenda um monte e deixe queimar. Elas costumam durar o mesmo tempo de um jantar em ritmo de slow-food. Compre o pão um pouco antes e corte em cubos não muito pequenos. Forre uma cestinha com um guardanapo igual aos da mesa e ponha o pão lá. Para acompanhar, apenas pepinos em conserva cortados em fatias bem finas e aquelas cebolinhas, também em conserva.

Esse ano, o Dia dos Namorados caiu justo numa terça-feira e eu cheguei em casa às oito e meia da noite. Como é mais fácil um boi voar do que eu me submeter a uma fila sem fim e ao mau atendimento típico do dia 12 de junho, havíamos convidado dois casais para jantar. Eu sabia que não teria tempo. Assim, já havia programado uma fondue. Deixei todo o cenário armado, mesa posta, velas em posição. Quando cheguei, só tive o trabalho de espalhar uma centena de corações vermelhos de tamanhos diferentes em cima de todas as superfícies da sala e de acender as velas.

O namorado ficou encarregado de cortar o pão e eu, da duríssima tarefa de abrir os pacotes de fondue. Para começar bem, um brinde com champanhe. De aperitivo, fomos direto para o vinho – havia cerveja para os mais resistentes – e como teríamos pão na refeição, recheei folhas de endívia com uma mistura de gorgonzola e cream-cheese, para comer com a mão mesmo.

Um pouco antes de sentarmos, servi uma sopinha de champignon em copinhos de irish coffee (a sopinha já estava pronta. Foi só esquentar). Só um golinho, para esquentar a garganta e atiçar as papilas. Ao fundo, músicas escolhidas a dedo por ele para tornar a noite muito especial.

De sobremesa, vol-au-vents comprados prontos e aquecidos na hora, recheados com sorvete de creme (também comprado pronto) e uma calda quente de morango com licor de laranja (essa, eu fiz na hora. Levou uns 5 minutos) e servida em bulezinhos individuais. O resultado? Todos falam nessa noite até hoje. Trabalho, zero. Efeito, dez. É o que eu sempre digo: capriche nos detalhes que o resto vem naturalmente.